sábado, 13 de março de 2010

É hora

Já chega. Chega de sentimentos engolidos, de amigos desamigos, de sorrisos falsos. Cansei. Chega de monotonia repetida, seja com idas, seja com vindas. Chega de fugir da verdade, de esconder saudade e fingir ser o que se quer. Chega. É hora de ser. Chega de tentar acertar quando errar é uma condição. Chega de tênis, guitarras e palcos. Chega de livros, poemas e contos. Chega. É hora de viver. Às vezes é preciso encaixar-se mesmo sendo um desencaixado. Às vezes é preciso fingir-se ponto sendo um quadrado.
Chega. Eu não vou me adaptar. Não, não quero nem tentar. Quero encontrar a pedra no meio do caminho e quem sabe à Drummond devolver. Quero acompanhar-te até o fim da estrada e sua mão soltar, dizendo cresça. É preciso crescer. Chega. Chega de maquiagens, de vergonhas. Não é hora da anulação. Não há perdão, Não há mais nada. É hora de acreditar que isso é verdade, mesmo sendo uma verdade extremamente e voluntariamente forjada.

domingo, 7 de março de 2010

A mesma

Você volta por aquela mesma estrada esburacada com pouca luz. A mesma estrada há 20 anos. O mesmo tênis, o casaco fino de linho preto, a mesma estrada. Com tudo tão igual é perceptível a diferença. Eu já a acompanhei umas e outras vezes. Sempre mudo o caminho, você permanece naquela estrada e nós duas convergimos para o mesmo ponto. Às vezes sinto saudade de acompanhá-la pela estrada esburacada de pouca luz. Hoje está chovendo. Eu não vou seguir meus diversos caminhos, nem você o seu. Te espero embaixo do chalé abandonado virando a esquina principal. Conto gotas de chuva que respingam do banco aos meus pés até você chegar. Seu atraso é sempre pontual. Você traz café em uma mão e um cigarro na outra. Eu coloco as duas no bolso, como um protesto aos teus vícios. Ficar parada ali seria previsível demais para nós. Sob uma leve chuva seguimos a caminhar. Não precisamos de direção, todas neste momento são válidas. Você me faz rir com seu sarcasmo e eu te faço rir com minhas filosofias sem nexo. Você canta trechos errados enquanto eu te corrijo. Sai falando com as plantas e eu fico quieta morrendo de rir do teu jeito. Nós falamos sobre tudo. Nós sabemos que em dez minutos nada disso vai existir. Sabemos que as coisas não são como parecem, mas vamos continuar acreditando que um dia serão. Vamos errar achando que é o fim, com a consciência de que não é nada disso. Nós vamos continuar errando, porque é preciso. Vamos amar achando que é único e para sempre, mas vamos continuar amando. Vamos aprender sabendo que é o máximo, porém que outros máximos virão. Vamos viver sabendo que estamos vivendo, enquanto alguns optam pelo fingimento. Vamos correr sabendo que estamos cansadas, mas com a certeza de que não estamos apenas passando. As pessoas agora estão me olhando como se tivesse algo errado. Como se você não estivesse aqui. Acho que elas descobriram que nós somos a mesma pessoa e que talvez só eu possa te ver. Agora você está voltando por aquela mesma estrada esburacada com pouca luz. A mesma de 20 anos. Você está voltando para dentro de mim.

terça-feira, 2 de março de 2010

Ainda existe

Não procuro muita coisa, procuro um algo mais que nem sempre encontro. Algo mais do que o vento no meu rosto. Algo mais do que palavras vazias. Algo mais do que o pôr do sol. Porém procuro de olhos fechados. Evito multidões, gritos são altos demais para a coerência. Evito confusões, elaboro-as em silêncio. Passo dias em claro pensando na vida e ainda acho melhor do que passar a vida em claro pensado nos dias. A onda vem e vai, como sentimentos e pessoas vem e vão, mas às vezes, quase sempre, é preciso bem mais do que o movimento. Todas as linhas de desequilíbrio são tênues, procuro afastar-me das linhas. Nada muito reto, quadrado ou perfeito. Defeitos me atraem por certa identificação. Minha delicadeza fica escondida bem no fundo. Embaixo da pele grossa que aguenta as pancadas diárias do existir. Meu romantismo fica escondido bem no fundo embaixo de livros armazenados, músicas tocadas e pulsar acelerado. Minha sanidade fica escondida bem no fundo, mas por sorte ainda existe.