domingo, 18 de julho de 2010

É a sua vez

Às vezes eu sou poeta do vento e faço do meu silêncio um conforto para seu grito. Às vezes eu sou o escuro da noite e contribuo com o breu para que as luzes possam brilhar. Às vezes eu sou um buraco para armazenar resto de chuva e lembrar outras pessoas que ela pode voltar. Que sempre irá voltar, sempre com outra intensidade e até outra cara. Às vezes eu sou também o frio da nuca no verão e o calor da espinha no inverno. Às vezes sou o violão que você faz de mesa e outras vezes a mesa que você batuca. Sou a borracha que some quando precisa e o convidado que vai embora quando você quer que fique. Às vezes sou a sombra em dias insuportáveis de calor e sou insuportável em dias tranquilos. Às vezes sou aquela bebida que você prometeu nunca mais beber e o cigarro que tinha parado há algum tempo. Sou o chocolate que você encontra no fundo do armário às 3 horas da manhã, o toldo na chuva, o pneu furado na estrada e o abraço em uma noite solitária de domingo. Você sabe que entre bem e mal, agradável e o insuportável eu sempre sei ser os dois e confesso, tenho sido. Mas nesse momento eu sou o vácuo. É a sua vez de me preencher com algo.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

O “verbo” nunca

Eu nunca escrevi. Nunca parei pra escrever. Eu sempre escrevo pra parar. Parar de qualquer coisa, de sentir, de pensar, parar com algo que me impulsiona, por algum motivo, conhecido ou não. Eu nunca escrevi. Sempre vomitei em palavras o que eu, apesar de tentar, não sabia dizer de nenhuma outra maneira. Eu nunca fugi. Mudei amigos, casas, cidades, família, estados, sonhos, mudei tudo, quase tudo o que se pode mudar, sumi de vários lugares, mas fugir? Ah não, isso eu nunca fiz, sempre me levei junto e levei tudo que era meu, meu e que não poderia ser de mais ninguém, eu sempre me levei. Tudo o que deixei podia ficar. Tudo o que deixei vivia por si só e eu precisava viver também, não só por mim, mas por tudo. Eu sempre precisei viver por tudo. Por tudo, por todos e por algo, algo misterioso dentro de mim que mesmo sabendo eu nunca vou revelar, porque mistério é a bateria pra viver. E a minha é minha. Nunca suportei baterias emprestadas, talvez por isso mudei sempre, mudei para não me mudarem. Mudei para eu não mudar. É egoísmo, eu sei. Sei e aceito. Mas eu também sempre achei que fugir é que é não ir a lugar nenhum. E isso já não tem nada a ver comigo. Pensando bem eu nunca cai. É claro que eu já cai e isso acontece constantemente (acredite, constantemente) mas prefiro encarar o tombo como uma nova perspectiva, é dar controle aos seus pés para que eles mostrem algo diferente do que seu tédio tem mostrado. É bom parar por aqui, pois se for pensar a gente nunca tanta coisa. Vivemos reclamando de estar cansados, mas nunca tanto. Nunca deveria ser um verbo. Nunca é uma ação, quer dizer, uma falta dela. Eu nunca, tu nuncas, ele nunca, nós nuncamos, vós nuncais e eles nuncam. É, nunca deveria ser um verbo e nós deveríamos nuncar menos, nuncar nunca.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Nem sempre são cores

Chove muito lá fora e eu estou bem aqui, nesse momento é tudo o que eu sei. Mesmo que eu soubesse ou quisesse saber mais, nada mudaria a condição de que neste momento chove lá fora e eu realmente estou bem, aqui. Bem aqui, no mesmo lugar. Observando a fumaça espiral que sobe da caneca amarela, cheinha. Cheinha de calor e de coisas que canecas são cheias. E logo ao lado a xícara vermelha com a cara do Che que está jogada, suja e vazia. Como o chinelo verde, perto da porta que também está jogado e ainda tem barro, ninguém sabe de onde e ninguém nunca vai saber, até os chinelos verdes tem seus segredos, tudo e todos têm e eu rezo para que eles permaneçam. A vida sem segredos e sem mistérios é chata, chata. O bom de viver é tentar descobrir os segredos que nós mesmos guardamos tão bem guardados que não podemos desvendar. As cores gritam tanto, falam, falam, são hiperativas e danadinhas, se todos parassem para ouvir, não haveria solidão, ainda bem que nem todos param. E esse cheiro de noite, tem cor também? Deve ter. É engraçado como não se pode ver cores sempre, é engraçado como só vemos cores quando estamos bem, seja aqui, ali, ou em qualquer cantinho com um pouco de luz.

domingo, 11 de julho de 2010

Desculpas

Desdentado é uma pessoa sem dente. Desnudo é uma pessoa sem roupa. Desculpado é uma pessoa sem culpa. Portanto, pedimos desculpas para livrarmo-nos da culpa que de fato temos. Mas culpa, mesmo com desculpas, mesmo criada ou não intencionada, existe. Eu, no caso, absolvida ou culpada, existo também. O existir requer falhas. Falhas geram culpas que existem e permanecem mesmo acompanhadas com desculpas.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

De lugar nenhum

Era uma cidade morta contra uma cidade que permitia contato, conversação, era contato contra contatados, era diversão versos “ãos” amplificados e solitários, era concreto. Era vento, era tudo contra o nada, era amizade calada contra espontânea, reprimida em concreto ou espremida em deserto ou compartilhada em fronteiras. Era mar, era terra, era areia. Era o vermelho contra azul, era o silêncio contra o som, era o grito sem ouvido ou ouvido sem o tom. Era uma coisa ou outra. Era o segredo. Era quase o mesmo, quase a mesma, era eu, sendo eu mesma, era ela sendo eu, eram todos no concreto deserto em fronteiras, eram todos. Eram eles, éramos nós, foram eles, quem sabe serão os outros, os encontros em tombos de distância, em trombetas de esperança. Foram, um dia. E os que não foram quem sabe um dia serão, buscando no passado ser o que não foram, ser o que não são. Éramos todos longe do concreto na cidade concreta, morta. Éramos nenhum na cidade viva, mas e as pessoas da viva, por que são tão mortas? Não se sabe. Era a música contra tudo. Era um sonho contra um ponto, mesmo que desequilibrado de equilíbrio. Era tudo contra o frio. A angústia contra a resposta. O cansaço contra o desconhecido, o tédio contra a liberdade. Eram tantos caminhos a serem escolhidos que a resposta foi: eu sou de lugar nenhum.