domingo, 26 de junho de 2011

Desconhecida

Ela é daquele tipo de pessoa que nunca para de falar. Nunca para pra pensar. O oposto de mim que às vezes gosto de ouvir, mas ela me cansou. Ela deve cansar todo mundo. E está gritando aos quatro ventos, mesmo que o vento nem esteja aqui, que sua vida é um livro aberto. Mal sabe ela o meu desprezo por livros abertos, minha falta de interesse por quem se deixa a mostra para se esconder de si. Logo eu, perpetuamente aprisionada pelo mistério e é pela conseqüência de perseguir esse mistério que eu estou aqui, encostada nessa janela imunda desse ônibus vazio. E com esse monte de lugares é do meu lado que ela vem sentar. Sua fala é mole, manhosa, como quem faz sexo pela voz, exige pena. Ela está falando há horas, nem lembro qual foi a última frase. Nada em sua fala me interessa. Ela é banhada por clichês e cheira o comum. Algo comum, desconhecido, que me dá ânsia. Não há muitos motivos pra ela ter vindo parar aqui, a não ser porque todos esses sintomas que ela provocou em mim, de certa forma, me lembra o amor.

Um comentário:

  1. Olá, sou uma leitora nova que me perdi nos labirintos da blogosfera e vim cair aqui nos seus escritos. E que alegria a minha!
    Este texto em especial me lembrou: "O amor nos tempos do cólera". Quando eu o li pela primeira vez achei que fosse sobre alguém amando na época em que o cólera assolava populações, mas depois vi que o título comparava as sensações dos apaixonados aos sintomas do cólera. Sim, nada nobre. Mas fez todo sentido. Obrigada pelo texto!

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