sexta-feira, 27 de setembro de 2013

A gente amava o que fazia

Tava tocando aquela música. Sabe aquela música que eu costumava saber cada vírgula e cada Tam Tam taaaaaaam da bateria? Pois é, mas dessa vez eu parecia um rádio amaldiçoado cantando a música ao contrário. De repente eu esqueci. E mascar o chiclete fingindo que cantava estava muito mais dentro do ritmo do que a minha tentativa de cantar aquilo de novo. A gente é estranho, né? Como escrever, antes eu costumava escrever páginas e páginas e me encontrar em cada palavra. Cada ponto que eu colocava tinha um significado com as pausas que eu dava na minha vida e muita gente dizia que eu precisava colocar mais pontos nos meus textos e fazer parágrafos, “Por que você não faz parágrafos?”. É porque aquilo não era só um texto. Era eu me derretendo toda, escorrendo entre linhas para tentar ficar inteira no final. Não sou de parágrafos. Não consigo correr dez minutos e caminhar dez, correr dez minutos e caminhar dez. Se tiver que correr eu vou correr direto, eu caminho no final, no começo, mas não me faça parar depois que eu comecei, eu não sei parar. Não sei fazer parágrafos. Comigo é tudo de uma vez e se tiver que parar é porque acabou, é ponto final. Muda o assunto, vira a página, começa outro texto. Por isso eu não uso tanto ponto. Se tiver que falar eu falo tudo bem corrido, tudo de uma vez e vou parar quando não tiver mais ar, quando eu preciso respirar e parece que vou explodir e então...então daí eu paro. Não sei viver com pausas. Prefiro viver em um tiro só ou usar todas as balas em cinco minutos do que guardar tudo em uma caixa para talvez usar um dia. Não sei por que isso, só sei que eu sou isso. Depois de muito tempo sem escrever eu tentei colocar as palavras juntas novamente e percebi que tá mais fácil cumprir as promessas que eu fiz no ano novo do que fazer com que elas façam sentido. A gente é estranho, né? A gente não faz sentido. Você faz alguma coisa que ama e de repente para e alguém pergunta: “mas você não amava isso? Por que parou?” e então você faz aquela cara de paisagem. Aquela cara de foto em ponto turístico que você quer que fique boa, mas fica sempre igual. Eu tenho andado bastante por aí. Eu tenho conhecido tanta, tanta gente que isso me faz querer conhecer mais, muito mais. Se existisse uma profissão chamada “conhecer gente”, ah, eu trocaria tudo por isso. Eu sou apaixonada por gente. Eu sou ainda mais apaixonada por gente que faz as coisas com paixão. Mesmo respeitando eu tenho preguiça de quem não gosta do que faz, tenho preguiça. Sabe gente que não gosta de salada, mas coloca salada no prato só pra ficar reclamando o almoço todo que não gosta de salada? Pois é. Eu não gosto de salada, eu não como salada. Porque se eu comesse sem gostar eu também ficaria reclamando o almoço inteiro. Mas gente que gosta do que faz, ah não, gente que gosta do que faz me encanta. Eles são capazes de fazer com que as coisas mais entediantes do mundo pareçam incríveis. Esses dias eu quase me apaixonei por economia. Eu que odeio os números, conheci um cara que amava tanto isso, que por um instante me fez pensar que entender sobre o valor da cotação das moedas referente ao cenário econômico mundial ou acompanhar o índice de reajuste de alguma coisa que eu não lembro seria muito mais divertido do que dançar macarena em Cancun. Gente que ama o que faz é mais inspirador do que qualquer coisa que você possa imaginar. Ontem tinha um mendigo dançando no parque perto de casa. Ele tinha duas latinhas e estava tocando aquela música, aquela que eu costumava saber cada virgula e cada Tam Tam Taaaaam da bateria. Eu parei, olhei e vi que ele fazia aquilo com tanta paixão que eu também me apaixonei. Coloquei minhas sacolas no chão e comecei a dançar com ele. A gente dançou aquela música que eu costumava amar e esqueci. A gente fazia aquilo com tanta paixão, que os casacos pretos, carregando as pessoas que não gostam do que fazem, os casacos pretos voltando dos trabalhos que não suportam, os casacos pretos que atrapalham a vida das pessoas que amam o que fazem, eles olhavam para gente como se nós fossemos loucos. E nós éramos, naquele momento nós éramos loucos. Mas pelo menos a gente amava o que fazia.

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