sexta-feira, 4 de junho de 2010

Mar e cela

Ela era linda, mas sua beleza não refletia absolutamente nada do que realmente era. Era muito mais profunda do que o raso dos seus olhos podia mostrar. Era completamente diferente da sua própria silhueta. Era daquelas que sentia. Sentia mais do que qualquer coisa, cutucando a dor pra sangrar e pra doer cada vez mais, pra talvez chegar à anestesia, pra talvez chegar a não sentir e acabar com tudo de vez e chegar ao fim de uma vez. Ela sofria por sentir. E por às vezes pensar demais e por tentar proteger e envolver o mundo quando na verdade era ela quem precisava ser protegida e envolvida em um cafuné ao fim de tarde, em um abraço quente de alguém dizendo que tudo em algum momento ia voltar ao normal. Tudo em algum momento ia ser mais. Mais cheio do que vazio, mais céu do que nuvem, mais liberdade do que vida. Mas os fins de tarde eram tão quietos e os abraços tão frios e cafunés quase não existiam mais. Existiam apenas à distância. Ela sofria por saber que não se sabe e por sustentar um quase amor que não se cabe, mas ela tentava, fazia caber em um lugar que não entrava, não encaixava, porém por mais difícil que fosse o tentar não custa. Tentava por dó, por prazer, por medo de causar dor, por medo às vezes de ser o que realmente é e com isso machucar quem ela não quer, quem ela não quer que sinta como ela se sente. Diferente, isso ela era. Mas às vezes o normal parecia tão simples, por que estar sempre do outro lado da linha? Ela se encontrava em contradições. Era Mar e cela ao mesmo tempo. Aquele mar que não tem fim que permite navegar e que quanto mais fundo se vai, maior a probabilidade de não voltar, de perder o ar, a consciência, de desaparecer. Cela de si mesma, um cubículo, um labirinto do qual sabia a saída, mas tentava não lembrar, porque lá dentro tudo parecia tão seguro. Era perigoso acertar. Era perigoso errar. Ela sabia que na verdade, o perigo estava em viver. Ela gostava do perigo, mas gostava de correr sozinha com ele. Correr sozinha. Ela é o mais próximo de mim que eu posso chegar e às vezes eu queria impedi - lá do que eu não posso me impedir. Ingenuidade minha. Ela é maior que eu, mais experiente que eu, ela é bem mais. Mas a gente queria ser menos e pensar menos pra sentir menos e correr mais. Nós duas juntas, sozinhas.

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