segunda-feira, 19 de abril de 2010
Eu quero só viver
Não me dê asas, porque o meu prazer é poder voar sem elas. Inventar alguma coisa, sei lá, saltar com um guarda-chuva, levantar voo com um guardanapo, aterrissar em um guarda-sonhos, bagunçar um guarda-roupas, criar guarda-ventos, só pra guardar um pedacinho das coisas que não se guardam. Por favor, não tente me dar nada, nem flores, nem jóias, nem carros, nem viagens, porque o que me interessa mesmo é a vista, seja de onde for, para onde for ou pra onde me levar. Seja da montanha mais alta, dos buracos mais fundos, da laje, da cobertura, do pôr do sol, da chuva, da fazenda, da casinha de sapê. Mas não quero as vistas que me dão, e sim as vistas que eu procuro, as vistas que só eu posso ver. Me dê palavras. Essas eu quero e guardo, mas saiba que algum dia eu vou devolvê-las a você. Da minha maneira, é claro. Guardarei a sua pra mim, só pra recordar as coisas que minha memória com o tempo irá apagar. Fora isso eu te peço vida, não se preocupe, também darei a minha em troca. O que eu busco nos outros, em todos os outros é vida, são sonhos, promessas, olhares, gargalhadas entaladas, sorrisos de canto de boca. Me dê seus sinais vitais para eu realimentar os meus. Não me diga que o modo que vivo é errado, assim não direi que o certo e errado não existem além da sua cabeça. Não me diga que o que eu acredito é falso, pois o acreditar é um espelho que reflete bem mais do que você pode ver. O que se pode querer dessa vida, meu deus? O que se pode querer além de viver? O que se pode querer se nada me impede de ver o sol nascer do outro lado do oceano, de descobrir coisas, ir desbravando, amando, vivendo. O que mais se pode querer? O que mais se pode além de viver? Eu? Eu não quero mais nada. Quero só me livrar dos vícios, mas carregar alguns para sempre. Quero só a simplicidade, deixo o resto para você. Eu quero só viver o mundo, eu quero só viver. Mas não me dê asas, porque isso, ah, isso é o meu prazer. É o meu maior prazer. Eu quero continuar guardando meus amigos em cada célula em mim, eu quero mais células, mais sangue, mais movimento, quem sabe o vento, todos podemos querer o vento, mas não o tempo, o tempo eu deixo para algum louco, deixe o tempo fora disso. Eu quero manter minhas neuroses, minhas histerias, meu silêncio, minha angústia, minha gritaria interna. Eu quero tudo isso. Eu quero continuar sendo isso. Eu quero o medo também, muito medo, quero as mãos geladas, suor frio, eu quero o medo só pra vencer. Eu quero me manter só pra viver, só pra viver. Hoje eu faço 2.0, mas não quero nem saber em quantos zeros eu vou chegar, dezenas, centenas, milhares, eu quero só chegar, onde tiver que ser, onde eu quiser que seja. Eu? Ah, eu quero só viver, eu quero só voar e aterrissar em um canto qualquer.Porque esse, ah, esse é o meu prazer.
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