quarta-feira, 21 de abril de 2010

Sobre nós

Ele pediu para eu escrever um texto sobre nós. Eu não queria decepcioná-lo, mas eu não sei escrever. Eu vou fingir e tentar só porque eu não quero decepcioná-lo. Eu o odeio porque ele destrói muita coisa que eu demorei a minha vida inteira para construir. Ele destrói o meu silêncio. Eu odeio conversar com ele porque ele é a única pessoa que eu consigo dizer absolutamente tudo, sem nenhum medo, sem nenhuma vergonha, sem nenhum risco de ser incompreendida, mesmo sendo muitas vezes, mas sem nenhum risco. Eu odeio porque eu digo tudo o que eu quero e não quero dizer depois ocupo toda a minha insônia pensando que eu não deveria ter dito 10% do que eu disse. E eu sei que às vezes ele ocupa a insônia dele pensando que eu não deveria ter dito 10% do que eu disse. Mas ele me escuta, coitado, ele me escuta, eu gosto disso. Eu gosto dele, mas ele me odeia. Eu odeio ele, mas ele gosta de mim. Nós somos metade/metade e vivemos trocando as metades. Ele diz que eu sou uma devoradora de surfistas positividade e eu digo que ele é um devorador de meninas com calça colorida. Mas na verdade, nós não somos devoradores de nada. Nem de surfistas nem de coloridos boys/girls. Não somos devoradores de nada além de nós mesmos, dos nossos mundos. Dos nossos mundos paralelos. Eu brinco que ele é meu amigo gay, ele fica bravo e diz que se eu continuar com essa idiotice ele vai me esquartejar e me chamar de Mari caminhoneira. Eu não sou caminhoneira, nem ele gay, mas eu adoro deixar ele irritado. Às vezes a gente troca de papel, eu fico fria e indiferente e ele fica histérico e sentimental, mas normalmente, nós não somos nada disso. Nós não somos nada. Somos apenas nós e muitas vezes não sabemos lidar com isso, ás vezes nós queremos não ser nós e sim qualquer verme rastejante. Outras nós queremos ser rockstars e dominar o mundo, ou então revolucionários e mudar o mundo. Mas nós não somos nada. Nós somos nós. Um nós longe do mundo. Um nós de outro mundo. Ele me pediu em casamento e eu aceitei. A gente casa quando completar 85 anos. Já está tudo certo. Nós vamos estar surdos, cegos e chatos. Daí vai da tudo certo. Eu acho e ele também acha. Eu mandei uma mensagem pra ele no pior aniversário de toda a minha vida. Eu disse que estava num lugar que não deveria, ele me respondeu dizendo que estava conversando com quem não deveria. Eu disse que queria que ele estivesse aqui, ele disse que também queria estar. Ele me fez rir no pior aniversário de toda a minha vida. Eu continuei a noite e ele foi dormir, também não era o melhor dia da vida dele. Ele está lá e eu aqui. Eu queria que ele estivesse aqui e ele queria que eu estivesse lá. Ele ama Strokes e eu amo Arctic. Ele é completamente cego eu to quase lá. Ele toca bateria eu arranho uma guitarra. Eu canto e ele é cantado. Ele canta e eu sou cantada. Ele viu a avó dele pelada, eu nunca vou esquecer isso. Eu sou existencialista e ele também é. Ele não gosta de mudar e eu vivo fazendo isso. Ele odeia praia e eu adoro. Ele é sedentário e eu já fui atleta. Ele é negativo e eu sou positiva, mas às vezes a gente troca as pilhas. A gente conversa o dia inteiro e não acaba o assunto. A gente briga, da tempo, separa e termina como casal, mas a gente nunca foi casal. Nós somos apenas dois loucos, perdidos, sozinhos conversando com seus objetos e morrendo de vontade de mandar tudo para a puta que o pariu. Nós somos apenas dois loucos só esperando que tudo isso algum dia acabe.

2 comentários: