domingo, 23 de maio de 2010

A (c)alma

Devolva. Volte aqui. Não saia por essa porta. Você não se atreveria. Volte alma, volte agora. Encontre um outro tempo para dar, pois não será o meu. Não mesmo. Não ouse fugir. Esqueça esses jogos sem gosto, você sabe que comigo não funcionam. Nunca funcionaram. Não grite, pois se eu também resolver gritar isso significa nossa surdez. Eu ainda posso ouvir. Volte para o seu devido lugar e encene como eu. Agora. Quem pensa que é? Se juntas estamos desde o início, acha mesmo que o individualismo solucionaria a essa altura? Cresça alma. Mas cresça dentro de mim. Sabe que minhas fronteiras te permitem crescer. Volte para dentro de mim. Depois de todo esse tempo, quer seguir sozinha e deixar meu corpo aqui? E eu? Quer nos deixar aqui? Venha. Isso, não tenha medo. Eu te aqueço aqui como sempre, venha. Sim, eu posso sentir sua inquietação, mas devo me mostrar mais quieta que você, não devo? Devo fingir estável, não? É claro que sim. Se não você não cabe em mim. Se não houver o equilíbrio sairemos como Pack Man comendo vida por aí, comendo sussurros, respiros, suspiros, calor. Sairíamos comendo o mundo. Mas o mundo precisa existir por ele também. Deixo-o viver e volte para dentro de mim. Mesmo os dias sendo como as malditas folhas em branco do Word. Mesmo a história sendo aquele velho livro apenas interpretado pelas gerações por comuns diferentes formas. Mesmo o ditado da união sendo brega e desgastado, precisamos seguir. Separadas seriamos nada. Melhor um nada junto do que solitário. Venha se juntar ao meu vazio e o preencha com o intangível que é tudo o que é. É tudo o que pode ser. E é tudo o que seremos daqui até o fim. Do inicio até onde ninguém realmente sabe. Onde nós não sabemos. E eles vão continuar fingindo, com você aqui ou não. E eles vão continuar sorrindo banguelas de sentido. E vão continuar regando a indiferença e a lubrificando com o piscar de olhos. Não me faça ver isso sozinha. Preciso de você para comentar através do meu silêncio, porque eles não entendem o não som, não entendem o não dito. Eles não entendem. Sem você, alma, minha carcaça muda da primeira pessoa para a terceira. Sem você, alma, a chuva que molha minhas mãos agora estaria gelada demais e eu jamais entenderia que a gota é bem mais do que a forma, eu jamais entenderia que a calma, alma, é o extintor de incêndio que, na verdade, antecede o fogo.

domingo, 9 de maio de 2010

Em resposta

Um amigo disse em uma bela observação que o “espaço não é lugar para os apaixonados”. Eu confirmo dizendo que o espaço é o lugar para os que da paixão desejam fugir. O espaço é imenso, é escuridão, é esconderijo para quem não é amor. Mas não necessariamente frio, pois o escuro se faz tela em branco (preto) para fantasias. Assim, os desapaixonados podem se aquecer, já que as fantasias, raízes dos problemas, além de dilemas são fogo, fogo que não se apaga até a luz do sol queimar a tela que se fez palco para nascer. O breu como disse, não se expande, mas não há como saber, pois sem luz, caminhos não são iluminados, o breu pode ser o caminho escolhido para quem não quer ver, o breu pode ser um longo caminho. Diz que tens medo do espaço no coração das órbitas, mas eu, a amedrontada, desapaixonada, habitante do espaço, seguidora do breu, tenho medo, meu amigo, das órbitas no meio dos corações. Das órbitas espaçosas invadindo o meu.

sábado, 8 de maio de 2010

O lugar mais alto que eu posso chegar

Se eu puder pegar sua mão eu te levo ao lugar mais alto que eu posso chegar, dou o abraço mais apertado que eu posso dar e então vemos o sol se pôr nascendo em outro país. Podemos Conversar horas no silêncio de nossas mentes e juntas, nos sentirmos sós, como nos velhos tempos. Depois do topo, eu te levo aos lugares mais legais que eu conheci durante todo esse tempo que ficamos separadas. Você vai adorar. São tão lindos, tão calmos, tão você. São tantas coisas que eu quero te contar que provavelmente vou atropelar minhas palavras deixando-as pela metade, mas você vai entender, como sempre. Como sempre entendeu. Nós vamos rir como loucas e você em algum momento vai começar a chorar do nada, como sempre, como sempre chorou e depois vamos rir como loucas novamente. A gente pode andar de bicicleta pela manhã. Você provavelmente prenderá sua língua no canto da boca e irá cumprimentar qualquer pessoa mesmo não conhecendo e eu vou ficar morrendo de vergonha, como sempre fiquei. Às vezes eu sou tão você, sabia? Eu queria que você soubesse. Às vezes eu brigo tanto com o tempo, ele vai te apagando da minha memória, você acredita? Não tem cabimento. Mas não se preocupe, eu te recupero, eu sempre te recupero. Ele pode ter controle sobre mim, mas não sobre você. Sobre você ele não terá. Eu te recupero. Eu me doou por você, eu me ofereço por você, eu continuo por você. Antes de anoitecer novamente, você pode pegar a minha mão como antes e nós podemos sair caçando doces pela cidade, disputando quem fica com o último brigadeiro. Mas depois a gente senta na varanda de casa, porque eu preciso perguntar algumas coisas para você. Fale-me sobre o amor? Porque é tudo nuito confuso pra mim. Fale-me sobre a vida. É assim que tem que ser? É assim que eu posso ser? Fale à vontade, sobre o que quiser, eu preciso te ouvir, pois todo esse tempo eu fiz tantas perguntas e cheguei a acreditar que você não estava me ouvindo, porque as respostas nunca chegaram, você acredita? É, eu cheguei a acreditar nisso. Acho que perdi algumas coisas pelo caminho, esqueci onde deixei outras, eu preciso de você. Mas como você sempre dizia, eu sou uma menina muito avoada, tenho que prestar mais atenção nas coisas e descer da minha lua de vez em quando. Mas, mãe, eu fico aqui, porque é o lugar mais alto que eu posso chegar. Então eu fico esperando para pegar sua mão e te abraçar de novo, quem sabe, só mais uma vez. Eu queria te abraçar e dizer aquelas três palavras que eu tenho tanta dificuldade em dizer, mas eu treinei muito depois que você se foi, eu juro que agora consigo dizer, mãe. Eu treinei muito para te dizer e fiquei de braços abertos esperando à hora chegar. Já faz tanto tempo. Eu não pude manter os braços abertos, por causa do frio, tive que fechá-los para me aquecer. Mas eu vou sempre te esperar aqui na lua e quando você puder descer eu te dou o abraço mais forte que eu puder dar e digo aquelas três palavras que eu ensaiei tanto, mas não tive tempo de dizer. Eu vou te esperar sempre aqui, mãe, no lugar mais que eu puder chegar.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Encha-se

Levanto minha bandeira para o subsolo. Traço no ar uma linha imaginária tão óbvia, como podem não ver? Sou jovem sendo velha. Sou velha sendo jovem. Sou ambos em um e um em tantos. Noite melancólica que traz a glória e a derrota em minutos passados, transbordados em nostalgia futura que logo nem de presente sobreviverá. Noite melancólica. É o que basta para ingerir palavras, embebedando-se delas sem a chance de expeli-las depois. Sem a chance de saudar o silêncio póstumo que ocupará o lugar. Noite melancólica cheia de pessoas vazias que nem seus vazios são capazes de preencher, nem admitir, nem viver, nem nada. E se o nada é tudo que se pode ter, onde encaixa o tudo nesse nada que se vende sem anunciar. Se a estrada se estreita até não caber mais ninguém, por que se encher de alguém para não carregá-lo depois. Esvazie-se. Encheram-te demais. Enchem-te demais. Enchem-te de ar e quando nem isso mais restar de que te encherão? Então se esvazie. Encha-se do que lhe convier. Encha-se de dó maior, teatro, vento, boatos, claves de sol. Esvaziem-nos e encha-se do teu jeito, imperfeito, ninguém merece a perfeição porque se ainda há sangue no coração, perfeito ele não pode ser. Esvazie-se e encha-se como quiser. Encha-se de sonho, de mar, de frio, encha-se como quiser, mas evite o ar, porque se a dor um dia te furar, meu bem, nem pó terás o direito de ser.

Perpendicular

A vida é tão incoerente, porque a coerência não é vida, nunca poderia ser. Tem um bip que apita, apita, apita e aponta, aponta, aponta aqui dentro de mim e eu não sei por que apita para onde apita, se eu corro, se eu procuro, se eu paro, grito incêndio ou espero. Então eu fico rodando no mesmo lugar embaixo do céu azul que quase me cega pelo cansaço de olhar. E o bip prossegue como aqueles despertadores chatos que insistem em me acordar às 7 horas da manhã, quando eu quero matar às 7 horas da manhã. Destruir todos os rastros de horas até as 10. Porque o dia tem que começar às 10. O sol me esfria, a lua queima e eu sinto uma alegria repentina que vem do nada e logo já volta pro nada, mas ela passou por aqui, bem longe das 7 da manhã, mas ela passou por aqui. E o bip toca, ou o despertador, não sei ao certo e eu acordo e sigo no sol que esfria e durmo com a lua que queima e espero a alegria inesperada, mas que esperada que às vezes vem, vem do nada e deve voltar para um lugar parecido. Hoje eu quero gritar por silêncio, o barulho da minha geladeira impede que eu escute os meus próprios pensamentos, mas isso não importa porque hoje ela veio, e lá vai ela, lá vai ela de novo, já está voltando. Mas eu não vou tentar seguir, vou fingir que estou cega pelo cansaço de olhar e esperar que algum dia nossas linhas se reencontrem em uma perpendicular qualquer.

domingo, 2 de maio de 2010

“Well, I'll gonna try”

10 horas da noite. Eu apago todas as luzes (são apenas três). Deixo uma acessa. A mais fraca, a mais amarelada. O silêncio é chutado pelos gritos agudos de Janis Joplin, sem chances alguma de reagir, coitado. Uma pequena parada estratégica na frente do espelho e nós duas aos berros começamos juntas: “Tryyyyyyyyy... Tryyyyyyyyyyy... Tryyyyyy... Just a little bit harder”. Estalando os dedos e alternando as pernas em direção ao espelho, uma escorregadela de meia, a virada marcada e então certifico-me de que meu cabelo não está igual ao dela. Verifico se tenho tudo o que preciso e como não vou precisar de nada, eu tenho tudo o que verifiquei. Apago a última luz e quase perco meus dedos do pé no canto da cama, mas tudo bem, “try, just a little bit harder”. “Well, I'll gonna try”. Desço a rua escura, iluminada apenas por uma lua linda, enorme e amarela. Os postes estão quebrados e é melhor assim. A lua ilumina o suficiente. Suficientemente bem para eu não tropeçar em nada e suficiente mal para eu não precisar ver os bueiros que sinceramente, estão um horror. Convencidíssima de que estou assoviando e não apenas soltando ar, eu continuo a descer. Viro a esquina sorridente, linda e feliz como as mulheres em comerciais de absorvente. Aceno para o ônibus como se estivesse pedindo para a abóbora estacionar. No, I don't really want it, but I’ll gonna try, just a little bit harder”. Chego. Onde? Não faço a mínima ideia, mas eu cheguei. Agora só tenho que ir. Eu não tenho medo de atravessar os becos, as pontes, os túneis. Eu não tenho medo dos bêbados, dos loucos, das tias, dos tios, da noite. Não, não tenho medo de nada disso. É, aqui parece um bom lugar. Legalzinho, discreto, alternativo, um som legal, ok. Subo as escadas e todos os comerciais estão ali, eu posso identificar todos. Acho que é daqui que eles tiram os figurantes. E é disso que eu tenho medo, eu tenho medo dos figurantes. Eu posso ver gente com pose, atitude e potencial para comercial de cerveja, pasta de dente, refrigerante,tudo, todos no mesmo lugar. Mantenho o sorriso Playmobil para não dar uma de velha chata, porque mesmo tendo 20 anos eu sou sempre a velha chata. Começo a pensar: Nossa que coisa mais... e de repente a Janis invade meu pensamento, interrompe o monólogo e grita ”tryyyyyyyyyyyyyyyyyyyyyyyyyy”. Ok, Janis, Ok. Vai ficando difícil manter o sorriso Playmobil, to morrendo de vontade de pagar de velha chata e ir embora. Mas ela fica aqui gritando essa merda na minha cabeça, o que eu posso fazer né. Vamos lá Mariana, Playmobil. Finge que a música é o máximo, vamos, vamos, isso ta legal, não, não você não ta parecendo um pato, ta legal, continue vai. Ah, eu vou parar com essa idiotice. Não, vamos lá, você consegue. E lá vem a Janis me infernizar de novo, “tryyyyyyyyyyyyyy”. To perdendo a paciência. Não Mariana, mantém a postura, coloca o sorriso e dança. Tá, eu to fazendo isso, mas eu tenho que dizer que olha, eu acho tudo isso uma...”tryyyyyyyyyyyyyyy”. Ok. Mas é sério, de verdade, você sabe o que eu acho de tudo isso né, eu só acho que...”tryyyyyyyyyyyyyyyyyyyy”. Deixa eu só concluir, eu acho.... "just a little bit haaaaaarder”. Acho... "T... CALA A BOCA, eu acho tudo isso aqui uma putaria, chama o Jamis, eu vou embora e você Janis, quietinha vai.