domingo, 2 de maio de 2010
“Well, I'll gonna try”
10 horas da noite. Eu apago todas as luzes (são apenas três). Deixo uma acessa. A mais fraca, a mais amarelada. O silêncio é chutado pelos gritos agudos de Janis Joplin, sem chances alguma de reagir, coitado. Uma pequena parada estratégica na frente do espelho e nós duas aos berros começamos juntas: “Tryyyyyyyyy... Tryyyyyyyyyyy... Tryyyyyy... Just a little bit harder”. Estalando os dedos e alternando as pernas em direção ao espelho, uma escorregadela de meia, a virada marcada e então certifico-me de que meu cabelo não está igual ao dela. Verifico se tenho tudo o que preciso e como não vou precisar de nada, eu tenho tudo o que verifiquei. Apago a última luz e quase perco meus dedos do pé no canto da cama, mas tudo bem, “try, just a little bit harder”. “Well, I'll gonna try”. Desço a rua escura, iluminada apenas por uma lua linda, enorme e amarela. Os postes estão quebrados e é melhor assim. A lua ilumina o suficiente. Suficientemente bem para eu não tropeçar em nada e suficiente mal para eu não precisar ver os bueiros que sinceramente, estão um horror. Convencidíssima de que estou assoviando e não apenas soltando ar, eu continuo a descer. Viro a esquina sorridente, linda e feliz como as mulheres em comerciais de absorvente. Aceno para o ônibus como se estivesse pedindo para a abóbora estacionar. No, I don't really want it, but I’ll gonna try, just a little bit harder”. Chego. Onde? Não faço a mínima ideia, mas eu cheguei. Agora só tenho que ir. Eu não tenho medo de atravessar os becos, as pontes, os túneis. Eu não tenho medo dos bêbados, dos loucos, das tias, dos tios, da noite. Não, não tenho medo de nada disso. É, aqui parece um bom lugar. Legalzinho, discreto, alternativo, um som legal, ok. Subo as escadas e todos os comerciais estão ali, eu posso identificar todos. Acho que é daqui que eles tiram os figurantes. E é disso que eu tenho medo, eu tenho medo dos figurantes. Eu posso ver gente com pose, atitude e potencial para comercial de cerveja, pasta de dente, refrigerante,tudo, todos no mesmo lugar. Mantenho o sorriso Playmobil para não dar uma de velha chata, porque mesmo tendo 20 anos eu sou sempre a velha chata. Começo a pensar: Nossa que coisa mais... e de repente a Janis invade meu pensamento, interrompe o monólogo e grita ”tryyyyyyyyyyyyyyyyyyyyyyyyyy”. Ok, Janis, Ok. Vai ficando difícil manter o sorriso Playmobil, to morrendo de vontade de pagar de velha chata e ir embora. Mas ela fica aqui gritando essa merda na minha cabeça, o que eu posso fazer né. Vamos lá Mariana, Playmobil. Finge que a música é o máximo, vamos, vamos, isso ta legal, não, não você não ta parecendo um pato, ta legal, continue vai. Ah, eu vou parar com essa idiotice. Não, vamos lá, você consegue. E lá vem a Janis me infernizar de novo, “tryyyyyyyyyyyyyy”. To perdendo a paciência. Não Mariana, mantém a postura, coloca o sorriso e dança. Tá, eu to fazendo isso, mas eu tenho que dizer que olha, eu acho tudo isso uma...”tryyyyyyyyyyyyyyy”. Ok. Mas é sério, de verdade, você sabe o que eu acho de tudo isso né, eu só acho que...”tryyyyyyyyyyyyyyyyyyyy”. Deixa eu só concluir, eu acho.... "just a little bit haaaaaarder”. Acho... "T... CALA A BOCA, eu acho tudo isso aqui uma putaria, chama o Jamis, eu vou embora e você Janis, quietinha vai.
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