terça-feira, 4 de maio de 2010

Encha-se

Levanto minha bandeira para o subsolo. Traço no ar uma linha imaginária tão óbvia, como podem não ver? Sou jovem sendo velha. Sou velha sendo jovem. Sou ambos em um e um em tantos. Noite melancólica que traz a glória e a derrota em minutos passados, transbordados em nostalgia futura que logo nem de presente sobreviverá. Noite melancólica. É o que basta para ingerir palavras, embebedando-se delas sem a chance de expeli-las depois. Sem a chance de saudar o silêncio póstumo que ocupará o lugar. Noite melancólica cheia de pessoas vazias que nem seus vazios são capazes de preencher, nem admitir, nem viver, nem nada. E se o nada é tudo que se pode ter, onde encaixa o tudo nesse nada que se vende sem anunciar. Se a estrada se estreita até não caber mais ninguém, por que se encher de alguém para não carregá-lo depois. Esvazie-se. Encheram-te demais. Enchem-te demais. Enchem-te de ar e quando nem isso mais restar de que te encherão? Então se esvazie. Encha-se do que lhe convier. Encha-se de dó maior, teatro, vento, boatos, claves de sol. Esvaziem-nos e encha-se do teu jeito, imperfeito, ninguém merece a perfeição porque se ainda há sangue no coração, perfeito ele não pode ser. Esvazie-se e encha-se como quiser. Encha-se de sonho, de mar, de frio, encha-se como quiser, mas evite o ar, porque se a dor um dia te furar, meu bem, nem pó terás o direito de ser.

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