domingo, 5 de dezembro de 2010

Vamos desintoxicar

Vamos fazer uma desintoxicação. Vamos deixar amores do passado de presente para o passado, para deixar o presente mais leve. Vamos tirar todo o peso desnecessário e ficar leves para dançar. Dançar até a noite cansar de nós e o sol então nascer junto com os últimos passos. Vamos guardar todas as loucuras sociais e os padrões bobos e ultrapassados dentro de uma caixa e jogar tudo para o ar, oferecer para Iemanjá ou qualquer outra coisa, vamos jogar tudo isso para bem longe de nós. Vamos. Vamos fazer uma desintoxicação e prestar atenção nas outras cores que existem no céu. Vamos abraçar o mundo todo. Vamos escrever paz com as conchas do mar, vamos ser paz para nós mesmos e confrontar nossas mentes contra as guerras do mundo. Vamos nos divertir um pouco. Vamos fazer música com as notas de silêncio. Vamos voar se quiser, falar o que puder, vamos fechar os olhos e desintoxicar. Vamos brincar de não precisar, de não querer, vamos brincar de viver um pouco. Viver as escolhas que fizemos e esquecer todas as outras que fizeram para nós. Vamos desintoxicar o presente para que o futuro seja natural como tem que ser. Vamos nos divertir um pouco sendo simples.

domingo, 28 de novembro de 2010

Uma vontade repentina

Foi uma vontade repentina de um domingo à noite. Uma vontade de segurar os minutos pelas mãos e delicadamente lhe pedir calma. Fechar-lhe os olhos fechando os meus ao mesmo tempo, pedindo-lhe calma com eco para mim mesma. Pegar os minutos pelas mãos e passear sobre as sombras de luzes que sobram no mar e ir para lugares em que as pessoas não vão e parar para observar coisas que as pessoas nem veem. Uma vontade repentina de um domingo à noite de caminhar na areia fria e refletir desenhos abstratos, de gritar coisas que eu não digo e repetir o que eu já disse, enfatizando partes que ficaram ocultas. Pegar os minutos pelas mãos e deitá-lo na cama enquanto eu possa discretamente sair e viver. Viver sem pressa. Respirar sem pressa. Pressa que nem vem do tempo, vem de mim. Uma pressa que me desperta às quatro da manhã e me chacoalha e me interroga. Pressa que me faz correr e ver tudo de perto sendo que a nitidez vem da distância. Uma vontade repentina de um domingo à noite de sentar e com calma esperar o sol nascer, molhar os pés nos primeiros raios do dia e ir embora aceitando plenamente que ele tem que continuar.

A resistência

Eu não sei lidar com a leveza. Desapareceria se tirasse todo o peso do mundo que coloco sobre as minhas costas. E sobre as costas dos outros. E sobre as costas do mundo. Essas noites geladas trazem um ventinho de saudade, frio, mas tão bom. E voltamos a vasculhar todos os objetos e palavras e coisas sem formas que jogamos pra dentro, para algum lugar dentro de nós, sabendo que não estávamos guardando direito, mas aliviados porque de alguma maneira estávamos guardando e procuraríamos um dia, um dia como hoje, um dia como esse. E é um riso tão involuntário que a lembrança causa e se nos deixarmos levar chegamos à gargalhada que de tão intensa chega a um quase chorar. E uma falta de ar que se compara a uma quase dor, uma falta de sentido, talvez parecida à dor do nascimento, como a primeira respiração, o primeiro sim. Mas temos que voltar a respirar e recuperar o sentido e nascer de novo, mesmo sabendo que dói nascer todos os dias. E lá se vai mais um sim e mais um dia e mais um nascer, para quem sabe encontrar a gargalhada da memória no final da noite e morrer de novo. Morrer sem ar, só para ter a chance de mais um sim. Mais um sim após os sonhos, os verdadeiros sonhos. Aqueles que vêm tarde da noite, após horas de espera a observar as camadas das brancas paredes do quarto. E então ele vem. Adoro sonhar. Egoísta eu sempre fui, mas nos sonhos, só nesses realmente posso ser. E sou. Nos sonhos eu continuo o que o tempo terminou, o que ele me tirou sem dizer uma palavra e eu, em silêncio, apenas balancei a cabeça, sussurrando em seu ouvido: espere os sonhos, espere os meus sonhos. Meus sonhos são a minha vingança. São a minha resistência. E sei, eu sei, toda resistência é perseguida. Essa é uma das coisas que mais me dão paz. Uma das minhas únicas certezas. Não há porque temer a solidão, sozinha eu nunca estarei. Os meus sonhos são a minha vingança. Eu sou a resistência.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Para não decolar

Bebo dos lábios dos poetas, jamais de suas fontes. Bebo de um gole secundário, filtrado é claro de todas as dores. Mantenho apenas o que penso ser bom. Mas bebo. Não evito a tentativa, evito apenas aquilo que imita toda falta de razão. Não gosto de perder o controle, me entedio fácil para trocar de canal. Não gosto de perder o chão por coisas que nem coisas são. Por coisas que nem base tem. Gosto sim de arriscar, mas não de me jogar. Pois como tenho asas, sempre as uso antes de cair. Cair disso eu não caio. Bebo dos lábios dos poetas, jamais de um gole claro. Um secundário filtrado. Mantenho dores. Mas bebo o que penso ser bom. Não evito aquilo que imita. Não gosto de perder, caio. Me entedio ao jogar. Chão que nem asa tem, base que nem coisas são. Bebo dos lábios dos poetas, jamais de suas fontes. Não gosto de me jogar. Disso eu não caio. Voo baixo o suficiente para não decolar. Caio. Bebo dos lábios dos poetas. Bebo de um gole secundário que imita a razão. Decolo antes de voar.Bebo dos lábios antes de cair. Caio. Caio para não decolar. Não gosto de perder o controle.

sábado, 28 de agosto de 2010

Posso parecer...

Posso parecer nula e silenciosa. Mas isso é só aparência e não se pode confiar em algo tão mutável. Eu vejo turbilhões em pessoas que parecem nulas e silenciosas, mas não é meu caso, de mim não vejo nada, não sei nada e o que sei mantenho obviamente para mim. Porém nos outros eu vejo. E eles podem falar o que quiser, definitivamente não é o que eu quero ouvir. Ouço gestos, olhares e respirações. Não gosto do óbvio, nem em sons, nem em nada. Simplesmente não gosto. Não gosto do tédio, da mesmice, da falta de coragem justificada com o erro. Não gosto de justificativas. Não gosto de quem passa vontade. Seja por conta própria ou por conta de outros, já que não tem direito à própria. Não gosto das maquiagens que tentam esconder a todo custo o que os olhos têm a revelar. Máscaras? Acho completamente desnecessário. Prefiro tirar poeira da pele. Não gosto de proteções artificiais, protejo-me com o que tenho e com o que me foi dado. Aos que insistem, repito, não sou complicada, sou o mais simples que consigo ser, só não tente me resolver como fórmula nem com jeito nenhum. Acredite, nem eu possuo essa ambição. Números não servem pra nada. Servem para envelhecer, preocupar, perder o sono. Números são exatos e concretos e eu não sou feita de nada disso. Recuso. Não sou rasa, assim como ninguém é. A diferença está em querer ou não permanecer na superfície. Em minhas águas eu sou livre, mas perco o compasso em águas abertas. Elas escondem muitas coisas, é preciso ir fundo para poder ver. Conhecer minha profundidade é uma questão de opção. Sou o contrário do mar, enquanto permanecer na superfície, serei sempre nula e silenciosa.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Os dedos das mãos

Se o silêncio da noite pairasse no dia ensurdeceria os que vivem de som. É o que eu penso enquanto luto para dormir. Penso baixinho que ainda há tempo e sussurro que só mais 10 minutos, preciso dormir, só mais 10 minutos. Pobre corpo que precisa descansar enquanto almas se soltam e imploram pra acordar outras almas e voar e viver, sem tic e tac, sem trânsitos e despertadores, sem fome e controladores de apetite e controladores de desejos e balanças sociais e estratégias repetitivas, pré-conceitos medievais e mensagens ultrapassadas. Pobres almas. Deixem-nas em paz. Tão grandes e lindas e fortes, presas a fraqueza de uma rotina pré-estabelecida de pseudo-liberdade, de pseudo-modernidade. Vamos, silêncio. Deve haver um grito em algum lugar. Um grito mais forte que grunhidos. Diante de um mundo surdo, o silêncio dos gestos talvez seja cruel. Almas, pobres almas anuladas pela automatização. Almas tão grandes que tem como limite a ponta dos dedos. A tragédia e a vitória não existiriam sem a ponta dos dedos. Revolte-se Alma. Controle-nos alma. Mantenha-se alma. Prenda-nos alma. Renda-nos alma na palma da respiração. No limite do contato. Não se deixe controlar alma. Controle-nos os dedos das mãos.

domingo, 18 de julho de 2010

É a sua vez

Às vezes eu sou poeta do vento e faço do meu silêncio um conforto para seu grito. Às vezes eu sou o escuro da noite e contribuo com o breu para que as luzes possam brilhar. Às vezes eu sou um buraco para armazenar resto de chuva e lembrar outras pessoas que ela pode voltar. Que sempre irá voltar, sempre com outra intensidade e até outra cara. Às vezes eu sou também o frio da nuca no verão e o calor da espinha no inverno. Às vezes sou o violão que você faz de mesa e outras vezes a mesa que você batuca. Sou a borracha que some quando precisa e o convidado que vai embora quando você quer que fique. Às vezes sou a sombra em dias insuportáveis de calor e sou insuportável em dias tranquilos. Às vezes sou aquela bebida que você prometeu nunca mais beber e o cigarro que tinha parado há algum tempo. Sou o chocolate que você encontra no fundo do armário às 3 horas da manhã, o toldo na chuva, o pneu furado na estrada e o abraço em uma noite solitária de domingo. Você sabe que entre bem e mal, agradável e o insuportável eu sempre sei ser os dois e confesso, tenho sido. Mas nesse momento eu sou o vácuo. É a sua vez de me preencher com algo.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

O “verbo” nunca

Eu nunca escrevi. Nunca parei pra escrever. Eu sempre escrevo pra parar. Parar de qualquer coisa, de sentir, de pensar, parar com algo que me impulsiona, por algum motivo, conhecido ou não. Eu nunca escrevi. Sempre vomitei em palavras o que eu, apesar de tentar, não sabia dizer de nenhuma outra maneira. Eu nunca fugi. Mudei amigos, casas, cidades, família, estados, sonhos, mudei tudo, quase tudo o que se pode mudar, sumi de vários lugares, mas fugir? Ah não, isso eu nunca fiz, sempre me levei junto e levei tudo que era meu, meu e que não poderia ser de mais ninguém, eu sempre me levei. Tudo o que deixei podia ficar. Tudo o que deixei vivia por si só e eu precisava viver também, não só por mim, mas por tudo. Eu sempre precisei viver por tudo. Por tudo, por todos e por algo, algo misterioso dentro de mim que mesmo sabendo eu nunca vou revelar, porque mistério é a bateria pra viver. E a minha é minha. Nunca suportei baterias emprestadas, talvez por isso mudei sempre, mudei para não me mudarem. Mudei para eu não mudar. É egoísmo, eu sei. Sei e aceito. Mas eu também sempre achei que fugir é que é não ir a lugar nenhum. E isso já não tem nada a ver comigo. Pensando bem eu nunca cai. É claro que eu já cai e isso acontece constantemente (acredite, constantemente) mas prefiro encarar o tombo como uma nova perspectiva, é dar controle aos seus pés para que eles mostrem algo diferente do que seu tédio tem mostrado. É bom parar por aqui, pois se for pensar a gente nunca tanta coisa. Vivemos reclamando de estar cansados, mas nunca tanto. Nunca deveria ser um verbo. Nunca é uma ação, quer dizer, uma falta dela. Eu nunca, tu nuncas, ele nunca, nós nuncamos, vós nuncais e eles nuncam. É, nunca deveria ser um verbo e nós deveríamos nuncar menos, nuncar nunca.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Nem sempre são cores

Chove muito lá fora e eu estou bem aqui, nesse momento é tudo o que eu sei. Mesmo que eu soubesse ou quisesse saber mais, nada mudaria a condição de que neste momento chove lá fora e eu realmente estou bem, aqui. Bem aqui, no mesmo lugar. Observando a fumaça espiral que sobe da caneca amarela, cheinha. Cheinha de calor e de coisas que canecas são cheias. E logo ao lado a xícara vermelha com a cara do Che que está jogada, suja e vazia. Como o chinelo verde, perto da porta que também está jogado e ainda tem barro, ninguém sabe de onde e ninguém nunca vai saber, até os chinelos verdes tem seus segredos, tudo e todos têm e eu rezo para que eles permaneçam. A vida sem segredos e sem mistérios é chata, chata. O bom de viver é tentar descobrir os segredos que nós mesmos guardamos tão bem guardados que não podemos desvendar. As cores gritam tanto, falam, falam, são hiperativas e danadinhas, se todos parassem para ouvir, não haveria solidão, ainda bem que nem todos param. E esse cheiro de noite, tem cor também? Deve ter. É engraçado como não se pode ver cores sempre, é engraçado como só vemos cores quando estamos bem, seja aqui, ali, ou em qualquer cantinho com um pouco de luz.

domingo, 11 de julho de 2010

Desculpas

Desdentado é uma pessoa sem dente. Desnudo é uma pessoa sem roupa. Desculpado é uma pessoa sem culpa. Portanto, pedimos desculpas para livrarmo-nos da culpa que de fato temos. Mas culpa, mesmo com desculpas, mesmo criada ou não intencionada, existe. Eu, no caso, absolvida ou culpada, existo também. O existir requer falhas. Falhas geram culpas que existem e permanecem mesmo acompanhadas com desculpas.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

De lugar nenhum

Era uma cidade morta contra uma cidade que permitia contato, conversação, era contato contra contatados, era diversão versos “ãos” amplificados e solitários, era concreto. Era vento, era tudo contra o nada, era amizade calada contra espontânea, reprimida em concreto ou espremida em deserto ou compartilhada em fronteiras. Era mar, era terra, era areia. Era o vermelho contra azul, era o silêncio contra o som, era o grito sem ouvido ou ouvido sem o tom. Era uma coisa ou outra. Era o segredo. Era quase o mesmo, quase a mesma, era eu, sendo eu mesma, era ela sendo eu, eram todos no concreto deserto em fronteiras, eram todos. Eram eles, éramos nós, foram eles, quem sabe serão os outros, os encontros em tombos de distância, em trombetas de esperança. Foram, um dia. E os que não foram quem sabe um dia serão, buscando no passado ser o que não foram, ser o que não são. Éramos todos longe do concreto na cidade concreta, morta. Éramos nenhum na cidade viva, mas e as pessoas da viva, por que são tão mortas? Não se sabe. Era a música contra tudo. Era um sonho contra um ponto, mesmo que desequilibrado de equilíbrio. Era tudo contra o frio. A angústia contra a resposta. O cansaço contra o desconhecido, o tédio contra a liberdade. Eram tantos caminhos a serem escolhidos que a resposta foi: eu sou de lugar nenhum.

domingo, 27 de junho de 2010

Um breve pedido a Deus

Deus, sei que escreves certo por linhas tortas, mas peço-lhe que por favor endireite minhas linhas e sinta-se a vontade para escrever errado, é que todas essas curvas às vezes me cansam.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Ânsias

Não se assuste, é normal essa minha ânsia de querer desvendar o que nem sei se é vendado. E não ligue caso encontre meu olhar perdido no horizonte, isso acontece toda vez que meus olhos se encontram com ele. Não queira palavras quando eu for silêncio e devo dizer que quase sempre sou. É meu jeito de sentir o mundo. E eu sinto e dói, mas não faz barulho, mesmo assim, às vezes eu grito. Grito pelos olhos, minha boca carrega pecados que não misturo. Eu não sei o que sentir quando o céu está assim, tão limpo. Nem quando o mar é só escuridão. Sou cheia de nuvens carregadas e ondas prestes a estourar. Mas não tenha medo, elas quebram dentro de mim e as nuvens são carregadas pelo meu sangue e minha ânsia de viver. Eu quero sempre tudo, agora. Acredito que não vai dar tempo sendo que nem o tempo aprendi a contar. Vivo em urgência. Quem sabe os anos me ensinem a aprender. Meus pés estão congelando aqui fora, mas a vista compensa. O céu está limpo, o mar nem se vê e meu olhar ainda preciso recuperar. Eu preciso é parar de precisar e, controlar essa minha ânsia de ser. Hoje estou naqueles dias em que tudo que está por dentro corrói pra explodir e tudo que vem de fora gera dúvidas, como amenizar o atrito? Como amenizar? Essa ânsia de existir além do que se vê, de se ter além do que se tem, de sentir além de aguentar, ânsia sobre viver a esperança e sobreviver a ela. Essa constante ânsia que me transforma no simples retrato de todas as ânsias.

domingo, 13 de junho de 2010

Interminável busca

Sinto-me diferente do mundo, mas como faz para igual ao mundo ser? Estou rodeada por uma imensidade de água, uma imensidade de nada que me faz desconhecer o infinito ao qual me perco. Infinito que não vejo e sempre quero ser. Essa interminável busca por aquilo que não posso alcançar me cansa. Essa interminável busca por mudanças das coisas que obviamente não mudarão me dói. As intermináveis buscas despertam uma imensa vontade de não buscar, de encontrar um ponto final mesmo sabendo que nem o ponto tem seu fim. Pontos exigem começos e começos nem sempre são novos quando o contexto é o mesmo. Quanta babaquice. Tenho que esconder nas entrelinhas coisas que não posso dizer, porque eu mesma não posso ler, nem admitir. Deus, perdoe-me pelas idiotices de meus pensamentos ou então não perdoe porcaria nenhuma, envie-me respostas como castigo, novas notas como abrigo. Eu sei, a mentira suporta o que a verdade não pode aguentar, o que eu talvez não possa aguentar, eu sei, eu sei. Sinto-me diferente do mundo, em um momento não muito propício a ser. Eu sou uma constante busca que segue apenas bússolas de intuição.

domingo, 6 de junho de 2010

Há sempre um rombo

Coleciono amores descartáveis, porque são práticos, apesar da praticidade ser incompleta. Coleciono amores provisórios, pois não existem regras, nem contratos, não há multa de cancelamento, não presto contas e não tenho contas prestadas. Coleciono razões desconexas que se desencontram em suas origens e encontram-se rasuradas no final. Coleciono sentimentos palpáveis, objetos inexistentes. Coleciono tudo que possa ser meu por algum tempo, pouco tempo de preferência. Preferência ou medo, desistência. Tenho raízes flutuantes. Agarro-me rapidamente a qualquer pedacinho de terra que avisto, mas depois de poucos segundos já desgarro, não sei por quê. Talvez porque eu ainda não tenha encontrado terra suficiente para suportar minhas raízes. Elas são (de) limitadas demais. Pequenas, superficiais. São só terra. Talvez eu ainda não tenha encontrado terras que possam ser deslocadas, elas sempre permanecem, eu sempre vou, há sempre um rombo, uma placa se rompendo, por isso prefiro as descartáveis, provisórias para não dar tempo. Para não romper. Sigo flutuando, agarrando e desgarrando até que chega o ponto em que minhas raízes perdem a força, perdem as garras, deixam de ser raízes, deixam de ser. Só flutuam.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Mar e cela

Ela era linda, mas sua beleza não refletia absolutamente nada do que realmente era. Era muito mais profunda do que o raso dos seus olhos podia mostrar. Era completamente diferente da sua própria silhueta. Era daquelas que sentia. Sentia mais do que qualquer coisa, cutucando a dor pra sangrar e pra doer cada vez mais, pra talvez chegar à anestesia, pra talvez chegar a não sentir e acabar com tudo de vez e chegar ao fim de uma vez. Ela sofria por sentir. E por às vezes pensar demais e por tentar proteger e envolver o mundo quando na verdade era ela quem precisava ser protegida e envolvida em um cafuné ao fim de tarde, em um abraço quente de alguém dizendo que tudo em algum momento ia voltar ao normal. Tudo em algum momento ia ser mais. Mais cheio do que vazio, mais céu do que nuvem, mais liberdade do que vida. Mas os fins de tarde eram tão quietos e os abraços tão frios e cafunés quase não existiam mais. Existiam apenas à distância. Ela sofria por saber que não se sabe e por sustentar um quase amor que não se cabe, mas ela tentava, fazia caber em um lugar que não entrava, não encaixava, porém por mais difícil que fosse o tentar não custa. Tentava por dó, por prazer, por medo de causar dor, por medo às vezes de ser o que realmente é e com isso machucar quem ela não quer, quem ela não quer que sinta como ela se sente. Diferente, isso ela era. Mas às vezes o normal parecia tão simples, por que estar sempre do outro lado da linha? Ela se encontrava em contradições. Era Mar e cela ao mesmo tempo. Aquele mar que não tem fim que permite navegar e que quanto mais fundo se vai, maior a probabilidade de não voltar, de perder o ar, a consciência, de desaparecer. Cela de si mesma, um cubículo, um labirinto do qual sabia a saída, mas tentava não lembrar, porque lá dentro tudo parecia tão seguro. Era perigoso acertar. Era perigoso errar. Ela sabia que na verdade, o perigo estava em viver. Ela gostava do perigo, mas gostava de correr sozinha com ele. Correr sozinha. Ela é o mais próximo de mim que eu posso chegar e às vezes eu queria impedi - lá do que eu não posso me impedir. Ingenuidade minha. Ela é maior que eu, mais experiente que eu, ela é bem mais. Mas a gente queria ser menos e pensar menos pra sentir menos e correr mais. Nós duas juntas, sozinhas.

domingo, 23 de maio de 2010

A (c)alma

Devolva. Volte aqui. Não saia por essa porta. Você não se atreveria. Volte alma, volte agora. Encontre um outro tempo para dar, pois não será o meu. Não mesmo. Não ouse fugir. Esqueça esses jogos sem gosto, você sabe que comigo não funcionam. Nunca funcionaram. Não grite, pois se eu também resolver gritar isso significa nossa surdez. Eu ainda posso ouvir. Volte para o seu devido lugar e encene como eu. Agora. Quem pensa que é? Se juntas estamos desde o início, acha mesmo que o individualismo solucionaria a essa altura? Cresça alma. Mas cresça dentro de mim. Sabe que minhas fronteiras te permitem crescer. Volte para dentro de mim. Depois de todo esse tempo, quer seguir sozinha e deixar meu corpo aqui? E eu? Quer nos deixar aqui? Venha. Isso, não tenha medo. Eu te aqueço aqui como sempre, venha. Sim, eu posso sentir sua inquietação, mas devo me mostrar mais quieta que você, não devo? Devo fingir estável, não? É claro que sim. Se não você não cabe em mim. Se não houver o equilíbrio sairemos como Pack Man comendo vida por aí, comendo sussurros, respiros, suspiros, calor. Sairíamos comendo o mundo. Mas o mundo precisa existir por ele também. Deixo-o viver e volte para dentro de mim. Mesmo os dias sendo como as malditas folhas em branco do Word. Mesmo a história sendo aquele velho livro apenas interpretado pelas gerações por comuns diferentes formas. Mesmo o ditado da união sendo brega e desgastado, precisamos seguir. Separadas seriamos nada. Melhor um nada junto do que solitário. Venha se juntar ao meu vazio e o preencha com o intangível que é tudo o que é. É tudo o que pode ser. E é tudo o que seremos daqui até o fim. Do inicio até onde ninguém realmente sabe. Onde nós não sabemos. E eles vão continuar fingindo, com você aqui ou não. E eles vão continuar sorrindo banguelas de sentido. E vão continuar regando a indiferença e a lubrificando com o piscar de olhos. Não me faça ver isso sozinha. Preciso de você para comentar através do meu silêncio, porque eles não entendem o não som, não entendem o não dito. Eles não entendem. Sem você, alma, minha carcaça muda da primeira pessoa para a terceira. Sem você, alma, a chuva que molha minhas mãos agora estaria gelada demais e eu jamais entenderia que a gota é bem mais do que a forma, eu jamais entenderia que a calma, alma, é o extintor de incêndio que, na verdade, antecede o fogo.

domingo, 9 de maio de 2010

Em resposta

Um amigo disse em uma bela observação que o “espaço não é lugar para os apaixonados”. Eu confirmo dizendo que o espaço é o lugar para os que da paixão desejam fugir. O espaço é imenso, é escuridão, é esconderijo para quem não é amor. Mas não necessariamente frio, pois o escuro se faz tela em branco (preto) para fantasias. Assim, os desapaixonados podem se aquecer, já que as fantasias, raízes dos problemas, além de dilemas são fogo, fogo que não se apaga até a luz do sol queimar a tela que se fez palco para nascer. O breu como disse, não se expande, mas não há como saber, pois sem luz, caminhos não são iluminados, o breu pode ser o caminho escolhido para quem não quer ver, o breu pode ser um longo caminho. Diz que tens medo do espaço no coração das órbitas, mas eu, a amedrontada, desapaixonada, habitante do espaço, seguidora do breu, tenho medo, meu amigo, das órbitas no meio dos corações. Das órbitas espaçosas invadindo o meu.

sábado, 8 de maio de 2010

O lugar mais alto que eu posso chegar

Se eu puder pegar sua mão eu te levo ao lugar mais alto que eu posso chegar, dou o abraço mais apertado que eu posso dar e então vemos o sol se pôr nascendo em outro país. Podemos Conversar horas no silêncio de nossas mentes e juntas, nos sentirmos sós, como nos velhos tempos. Depois do topo, eu te levo aos lugares mais legais que eu conheci durante todo esse tempo que ficamos separadas. Você vai adorar. São tão lindos, tão calmos, tão você. São tantas coisas que eu quero te contar que provavelmente vou atropelar minhas palavras deixando-as pela metade, mas você vai entender, como sempre. Como sempre entendeu. Nós vamos rir como loucas e você em algum momento vai começar a chorar do nada, como sempre, como sempre chorou e depois vamos rir como loucas novamente. A gente pode andar de bicicleta pela manhã. Você provavelmente prenderá sua língua no canto da boca e irá cumprimentar qualquer pessoa mesmo não conhecendo e eu vou ficar morrendo de vergonha, como sempre fiquei. Às vezes eu sou tão você, sabia? Eu queria que você soubesse. Às vezes eu brigo tanto com o tempo, ele vai te apagando da minha memória, você acredita? Não tem cabimento. Mas não se preocupe, eu te recupero, eu sempre te recupero. Ele pode ter controle sobre mim, mas não sobre você. Sobre você ele não terá. Eu te recupero. Eu me doou por você, eu me ofereço por você, eu continuo por você. Antes de anoitecer novamente, você pode pegar a minha mão como antes e nós podemos sair caçando doces pela cidade, disputando quem fica com o último brigadeiro. Mas depois a gente senta na varanda de casa, porque eu preciso perguntar algumas coisas para você. Fale-me sobre o amor? Porque é tudo nuito confuso pra mim. Fale-me sobre a vida. É assim que tem que ser? É assim que eu posso ser? Fale à vontade, sobre o que quiser, eu preciso te ouvir, pois todo esse tempo eu fiz tantas perguntas e cheguei a acreditar que você não estava me ouvindo, porque as respostas nunca chegaram, você acredita? É, eu cheguei a acreditar nisso. Acho que perdi algumas coisas pelo caminho, esqueci onde deixei outras, eu preciso de você. Mas como você sempre dizia, eu sou uma menina muito avoada, tenho que prestar mais atenção nas coisas e descer da minha lua de vez em quando. Mas, mãe, eu fico aqui, porque é o lugar mais alto que eu posso chegar. Então eu fico esperando para pegar sua mão e te abraçar de novo, quem sabe, só mais uma vez. Eu queria te abraçar e dizer aquelas três palavras que eu tenho tanta dificuldade em dizer, mas eu treinei muito depois que você se foi, eu juro que agora consigo dizer, mãe. Eu treinei muito para te dizer e fiquei de braços abertos esperando à hora chegar. Já faz tanto tempo. Eu não pude manter os braços abertos, por causa do frio, tive que fechá-los para me aquecer. Mas eu vou sempre te esperar aqui na lua e quando você puder descer eu te dou o abraço mais forte que eu puder dar e digo aquelas três palavras que eu ensaiei tanto, mas não tive tempo de dizer. Eu vou te esperar sempre aqui, mãe, no lugar mais que eu puder chegar.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Encha-se

Levanto minha bandeira para o subsolo. Traço no ar uma linha imaginária tão óbvia, como podem não ver? Sou jovem sendo velha. Sou velha sendo jovem. Sou ambos em um e um em tantos. Noite melancólica que traz a glória e a derrota em minutos passados, transbordados em nostalgia futura que logo nem de presente sobreviverá. Noite melancólica. É o que basta para ingerir palavras, embebedando-se delas sem a chance de expeli-las depois. Sem a chance de saudar o silêncio póstumo que ocupará o lugar. Noite melancólica cheia de pessoas vazias que nem seus vazios são capazes de preencher, nem admitir, nem viver, nem nada. E se o nada é tudo que se pode ter, onde encaixa o tudo nesse nada que se vende sem anunciar. Se a estrada se estreita até não caber mais ninguém, por que se encher de alguém para não carregá-lo depois. Esvazie-se. Encheram-te demais. Enchem-te demais. Enchem-te de ar e quando nem isso mais restar de que te encherão? Então se esvazie. Encha-se do que lhe convier. Encha-se de dó maior, teatro, vento, boatos, claves de sol. Esvaziem-nos e encha-se do teu jeito, imperfeito, ninguém merece a perfeição porque se ainda há sangue no coração, perfeito ele não pode ser. Esvazie-se e encha-se como quiser. Encha-se de sonho, de mar, de frio, encha-se como quiser, mas evite o ar, porque se a dor um dia te furar, meu bem, nem pó terás o direito de ser.

Perpendicular

A vida é tão incoerente, porque a coerência não é vida, nunca poderia ser. Tem um bip que apita, apita, apita e aponta, aponta, aponta aqui dentro de mim e eu não sei por que apita para onde apita, se eu corro, se eu procuro, se eu paro, grito incêndio ou espero. Então eu fico rodando no mesmo lugar embaixo do céu azul que quase me cega pelo cansaço de olhar. E o bip prossegue como aqueles despertadores chatos que insistem em me acordar às 7 horas da manhã, quando eu quero matar às 7 horas da manhã. Destruir todos os rastros de horas até as 10. Porque o dia tem que começar às 10. O sol me esfria, a lua queima e eu sinto uma alegria repentina que vem do nada e logo já volta pro nada, mas ela passou por aqui, bem longe das 7 da manhã, mas ela passou por aqui. E o bip toca, ou o despertador, não sei ao certo e eu acordo e sigo no sol que esfria e durmo com a lua que queima e espero a alegria inesperada, mas que esperada que às vezes vem, vem do nada e deve voltar para um lugar parecido. Hoje eu quero gritar por silêncio, o barulho da minha geladeira impede que eu escute os meus próprios pensamentos, mas isso não importa porque hoje ela veio, e lá vai ela, lá vai ela de novo, já está voltando. Mas eu não vou tentar seguir, vou fingir que estou cega pelo cansaço de olhar e esperar que algum dia nossas linhas se reencontrem em uma perpendicular qualquer.

domingo, 2 de maio de 2010

“Well, I'll gonna try”

10 horas da noite. Eu apago todas as luzes (são apenas três). Deixo uma acessa. A mais fraca, a mais amarelada. O silêncio é chutado pelos gritos agudos de Janis Joplin, sem chances alguma de reagir, coitado. Uma pequena parada estratégica na frente do espelho e nós duas aos berros começamos juntas: “Tryyyyyyyyy... Tryyyyyyyyyyy... Tryyyyyy... Just a little bit harder”. Estalando os dedos e alternando as pernas em direção ao espelho, uma escorregadela de meia, a virada marcada e então certifico-me de que meu cabelo não está igual ao dela. Verifico se tenho tudo o que preciso e como não vou precisar de nada, eu tenho tudo o que verifiquei. Apago a última luz e quase perco meus dedos do pé no canto da cama, mas tudo bem, “try, just a little bit harder”. “Well, I'll gonna try”. Desço a rua escura, iluminada apenas por uma lua linda, enorme e amarela. Os postes estão quebrados e é melhor assim. A lua ilumina o suficiente. Suficientemente bem para eu não tropeçar em nada e suficiente mal para eu não precisar ver os bueiros que sinceramente, estão um horror. Convencidíssima de que estou assoviando e não apenas soltando ar, eu continuo a descer. Viro a esquina sorridente, linda e feliz como as mulheres em comerciais de absorvente. Aceno para o ônibus como se estivesse pedindo para a abóbora estacionar. No, I don't really want it, but I’ll gonna try, just a little bit harder”. Chego. Onde? Não faço a mínima ideia, mas eu cheguei. Agora só tenho que ir. Eu não tenho medo de atravessar os becos, as pontes, os túneis. Eu não tenho medo dos bêbados, dos loucos, das tias, dos tios, da noite. Não, não tenho medo de nada disso. É, aqui parece um bom lugar. Legalzinho, discreto, alternativo, um som legal, ok. Subo as escadas e todos os comerciais estão ali, eu posso identificar todos. Acho que é daqui que eles tiram os figurantes. E é disso que eu tenho medo, eu tenho medo dos figurantes. Eu posso ver gente com pose, atitude e potencial para comercial de cerveja, pasta de dente, refrigerante,tudo, todos no mesmo lugar. Mantenho o sorriso Playmobil para não dar uma de velha chata, porque mesmo tendo 20 anos eu sou sempre a velha chata. Começo a pensar: Nossa que coisa mais... e de repente a Janis invade meu pensamento, interrompe o monólogo e grita ”tryyyyyyyyyyyyyyyyyyyyyyyyyy”. Ok, Janis, Ok. Vai ficando difícil manter o sorriso Playmobil, to morrendo de vontade de pagar de velha chata e ir embora. Mas ela fica aqui gritando essa merda na minha cabeça, o que eu posso fazer né. Vamos lá Mariana, Playmobil. Finge que a música é o máximo, vamos, vamos, isso ta legal, não, não você não ta parecendo um pato, ta legal, continue vai. Ah, eu vou parar com essa idiotice. Não, vamos lá, você consegue. E lá vem a Janis me infernizar de novo, “tryyyyyyyyyyyyyy”. To perdendo a paciência. Não Mariana, mantém a postura, coloca o sorriso e dança. Tá, eu to fazendo isso, mas eu tenho que dizer que olha, eu acho tudo isso uma...”tryyyyyyyyyyyyyyy”. Ok. Mas é sério, de verdade, você sabe o que eu acho de tudo isso né, eu só acho que...”tryyyyyyyyyyyyyyyyyyyy”. Deixa eu só concluir, eu acho.... "just a little bit haaaaaarder”. Acho... "T... CALA A BOCA, eu acho tudo isso aqui uma putaria, chama o Jamis, eu vou embora e você Janis, quietinha vai.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Eu não queria abraçar sozinha

Eu queria abraçar o mundo, mas não quero ficar abraçando sempre sozinha. Eu queria dividir o mundo, mas às vezes eu fico lá, esperando horas e então, não consigo esperar mais. Eu abraço sozinha, mas não queria, não sempre. Querer. Eu sempre quero, quero muito, às vezes eu acabo querendo tanto que deixo de lado tudo o que eu tenho só para querer. Hoje tinha uma lua linda. Eu sorri pra ela e ela se escondeu, ela foi sorrir em outros cantos. Ela fugiu. Assim como eu, eu vivo fugindo. Eu rasguei tantas folhas que sequer escrevi, desliguei sons que nem escutei, rejeitei tantos beijos, tantos beijos, eu cheguei tão perto. Eu cheguei a sentir o ar quente, os lábios macios, as mãos me contornando então eu desisti. Eu magoei tanto, tantos. Eu aceitei tantos beijos, mas não quis o amor. Porque ele é grande demais e eu sou tão pequenininha. Ele controla demais e eu odeio ser controlada. Ele é forte demais e eu também finjo ser, eu não posso enfrentá-lo pra não acabar com a minha farsa. Eu não quis. Depois do querer eu não quis mais nada. Eu viajei horas só pra querer, eu atravessei o mar e atravessei estados e atravessei os sonhos e me atravessei, só por querer, eu sempre quis, quis algo que eu não sei. Que eu não sei saber. Eu vou indo e querendo e vejo as pessoas parando e vivendo e eu vou indo e sendo julgada, mal interpretada, sozinha e tudo isso porque eu não queria abraçar o mundo sozinha. Até onde vai a estrada? Eu preciso saber. Não pra parar e evitar o vão, mas só pra saber a hora que vou ter que usar asas.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Sobre nós

Ele pediu para eu escrever um texto sobre nós. Eu não queria decepcioná-lo, mas eu não sei escrever. Eu vou fingir e tentar só porque eu não quero decepcioná-lo. Eu o odeio porque ele destrói muita coisa que eu demorei a minha vida inteira para construir. Ele destrói o meu silêncio. Eu odeio conversar com ele porque ele é a única pessoa que eu consigo dizer absolutamente tudo, sem nenhum medo, sem nenhuma vergonha, sem nenhum risco de ser incompreendida, mesmo sendo muitas vezes, mas sem nenhum risco. Eu odeio porque eu digo tudo o que eu quero e não quero dizer depois ocupo toda a minha insônia pensando que eu não deveria ter dito 10% do que eu disse. E eu sei que às vezes ele ocupa a insônia dele pensando que eu não deveria ter dito 10% do que eu disse. Mas ele me escuta, coitado, ele me escuta, eu gosto disso. Eu gosto dele, mas ele me odeia. Eu odeio ele, mas ele gosta de mim. Nós somos metade/metade e vivemos trocando as metades. Ele diz que eu sou uma devoradora de surfistas positividade e eu digo que ele é um devorador de meninas com calça colorida. Mas na verdade, nós não somos devoradores de nada. Nem de surfistas nem de coloridos boys/girls. Não somos devoradores de nada além de nós mesmos, dos nossos mundos. Dos nossos mundos paralelos. Eu brinco que ele é meu amigo gay, ele fica bravo e diz que se eu continuar com essa idiotice ele vai me esquartejar e me chamar de Mari caminhoneira. Eu não sou caminhoneira, nem ele gay, mas eu adoro deixar ele irritado. Às vezes a gente troca de papel, eu fico fria e indiferente e ele fica histérico e sentimental, mas normalmente, nós não somos nada disso. Nós não somos nada. Somos apenas nós e muitas vezes não sabemos lidar com isso, ás vezes nós queremos não ser nós e sim qualquer verme rastejante. Outras nós queremos ser rockstars e dominar o mundo, ou então revolucionários e mudar o mundo. Mas nós não somos nada. Nós somos nós. Um nós longe do mundo. Um nós de outro mundo. Ele me pediu em casamento e eu aceitei. A gente casa quando completar 85 anos. Já está tudo certo. Nós vamos estar surdos, cegos e chatos. Daí vai da tudo certo. Eu acho e ele também acha. Eu mandei uma mensagem pra ele no pior aniversário de toda a minha vida. Eu disse que estava num lugar que não deveria, ele me respondeu dizendo que estava conversando com quem não deveria. Eu disse que queria que ele estivesse aqui, ele disse que também queria estar. Ele me fez rir no pior aniversário de toda a minha vida. Eu continuei a noite e ele foi dormir, também não era o melhor dia da vida dele. Ele está lá e eu aqui. Eu queria que ele estivesse aqui e ele queria que eu estivesse lá. Ele ama Strokes e eu amo Arctic. Ele é completamente cego eu to quase lá. Ele toca bateria eu arranho uma guitarra. Eu canto e ele é cantado. Ele canta e eu sou cantada. Ele viu a avó dele pelada, eu nunca vou esquecer isso. Eu sou existencialista e ele também é. Ele não gosta de mudar e eu vivo fazendo isso. Ele odeia praia e eu adoro. Ele é sedentário e eu já fui atleta. Ele é negativo e eu sou positiva, mas às vezes a gente troca as pilhas. A gente conversa o dia inteiro e não acaba o assunto. A gente briga, da tempo, separa e termina como casal, mas a gente nunca foi casal. Nós somos apenas dois loucos, perdidos, sozinhos conversando com seus objetos e morrendo de vontade de mandar tudo para a puta que o pariu. Nós somos apenas dois loucos só esperando que tudo isso algum dia acabe.

As sandálias de plástico e o rock and roll

Sandálias de plástico dão chulé. A chuva me deixa introspectiva, depressiva, com vontade fazer música sem conseguir, com vontade escrever sem conseguir, com vontade fazer algo, qualquer coisa, sem conseguir. Às vezes tudo o que você precisa está perto demais para poder ser visto. A distância é necessária, mas me irrita. Não existe música pra se ouvir na chuva, porque todas, até as mais pulantes, dançantes, alegres, são tristes. Não existe programa pra assistir na chuva, porque todos são fúteis. Não existe pessoa pra conversar na chuva, porque todas são chatas. Não da pra ficar sozinha na chuva, porque é melancólico. Mas a questão é que sandálias de plástico dão chulé. Mas a gente usa. Nenhuma droga me droga, a minha consciência é muita mais forte que elas e eu não consigo me livrar da minha consciência. Às vezes eu só queria ser o elenco pobre de novela. Dançar em um churrasco com pagode no domingo, beber uma cerveja no bar do Zé, andar feliz, bonita e sorrindo dentro do ônibus, vestir o macacão e ir para firma. Mas eu sou o elenco pobre fora da novela. Domingo, segunda, terça, quarta, quinta e sexta eu como miojo alterando só o sabor de 4 queijos, feijãozinho, picanha, tomate e galinha. Mas sem pagode, porque eu O-D-E-I-O pagode e a felicidade do pagode e a batidinha do pagode e as rimas de pagode e todas as dançinhas do pagode. Eu não posso ir pro bar do Zé beber cerveja porque eu O-D-E-I-O cerveja e não conheço nenhum Zé que tenha bar. Eu ando de ônibus, mas nada de feliz, bonita e sorrindo. Eu ando suada me equilibrando e minha expressão fica bem distante do sorriso. Eu não vou pra firma, mas pra algum lugar eu tenho que ir né. Eu escrevo toda essa inútil baboseira só pra dizer sutilmente que esqueceram de adicionar a palavra satisfação no meu sistema. Que não é a distância, o pagode, o miojo nem o chulé das sandálias de plástico, é um buraco no meio da minha barriga, bem pra cima do umbigo um pouquinho pro lado do peito. É um buraco que insiste em ficar vazio e escuro, eu não posso enxergar lá dentro. E tem tantos objetos perdidos que eu queria encontrar. Mas ele fica lá, gigante, escuro e vazio. E eu fico aqui, com a chuva, as sandálias de plástico e o rock and roll.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Eu quero só viver

Não me dê asas, porque o meu prazer é poder voar sem elas. Inventar alguma coisa, sei lá, saltar com um guarda-chuva, levantar voo com um guardanapo, aterrissar em um guarda-sonhos, bagunçar um guarda-roupas, criar guarda-ventos, só pra guardar um pedacinho das coisas que não se guardam. Por favor, não tente me dar nada, nem flores, nem jóias, nem carros, nem viagens, porque o que me interessa mesmo é a vista, seja de onde for, para onde for ou pra onde me levar. Seja da montanha mais alta, dos buracos mais fundos, da laje, da cobertura, do pôr do sol, da chuva, da fazenda, da casinha de sapê. Mas não quero as vistas que me dão, e sim as vistas que eu procuro, as vistas que só eu posso ver. Me dê palavras. Essas eu quero e guardo, mas saiba que algum dia eu vou devolvê-las a você. Da minha maneira, é claro. Guardarei a sua pra mim, só pra recordar as coisas que minha memória com o tempo irá apagar. Fora isso eu te peço vida, não se preocupe, também darei a minha em troca. O que eu busco nos outros, em todos os outros é vida, são sonhos, promessas, olhares, gargalhadas entaladas, sorrisos de canto de boca. Me dê seus sinais vitais para eu realimentar os meus. Não me diga que o modo que vivo é errado, assim não direi que o certo e errado não existem além da sua cabeça. Não me diga que o que eu acredito é falso, pois o acreditar é um espelho que reflete bem mais do que você pode ver. O que se pode querer dessa vida, meu deus? O que se pode querer além de viver? O que se pode querer se nada me impede de ver o sol nascer do outro lado do oceano, de descobrir coisas, ir desbravando, amando, vivendo. O que mais se pode querer? O que mais se pode além de viver? Eu? Eu não quero mais nada. Quero só me livrar dos vícios, mas carregar alguns para sempre. Quero só a simplicidade, deixo o resto para você. Eu quero só viver o mundo, eu quero só viver. Mas não me dê asas, porque isso, ah, isso é o meu prazer. É o meu maior prazer. Eu quero continuar guardando meus amigos em cada célula em mim, eu quero mais células, mais sangue, mais movimento, quem sabe o vento, todos podemos querer o vento, mas não o tempo, o tempo eu deixo para algum louco, deixe o tempo fora disso. Eu quero manter minhas neuroses, minhas histerias, meu silêncio, minha angústia, minha gritaria interna. Eu quero tudo isso. Eu quero continuar sendo isso. Eu quero o medo também, muito medo, quero as mãos geladas, suor frio, eu quero o medo só pra vencer. Eu quero me manter só pra viver, só pra viver. Hoje eu faço 2.0, mas não quero nem saber em quantos zeros eu vou chegar, dezenas, centenas, milhares, eu quero só chegar, onde tiver que ser, onde eu quiser que seja. Eu? Ah, eu quero só viver, eu quero só voar e aterrissar em um canto qualquer.Porque esse, ah, esse é o meu prazer.

domingo, 11 de abril de 2010

A merda do objetivo

Hoje eu passei o dia inteiro aqui. Assim. Na mesma posição que terminei o dia anterior, pensando nas mesmas coisas de todos os outros dias. A gente vai morrer sem ter feito nada. A gente vai sonhar para depois esquecer. A gente vai dançar como se ninguém estivesse vendo, olhando para todos os lados só para ter certeza. A gente vai provar sem realmente ter experimentado e espirrar sem ser involuntariamente forçado. A gente vai morrer sem ter feito nada. Na mesma posição do dia anterior. Ontem, eu vi pessoas sozinhas na mesa do bar com olhares perdidos e uma lata de coca-cola na mão. Outras pessoas em pé dançando loucamente músicas que elas nem conheciam e alguns casais com cara de tédio, muito tédio. Os vestidinhos, as meias e as bolsinhas retrô. Os sapatos ridículos e os óculos gigantes. Porque a moda agora é ser brega. Mas ser brega de propósito. Se você é brega sem querer, passa a ser o brega fora do brega fashion. Esse tipo de coisa super relevante que salva nossa vida quando a gente se encontra na mesma posição do dia anterior. Todas as pessoas com um único objetivo fingindo desconhecer. Todas as roupas e as músicas e os sapatos e os óculos e os bregas com as mesmas merdas de objetivos, fingindo não saber qual é a merda do objetivo. E os olhares perdidos tentavam fugir da luz procurando na escuridão o que na verdade não pode ser visto. Os casais do tédio tentando ver no outro o que não existe mais. As meninas brega fashion tentando viver o que já passou. Os meninos brega fashion tentando ser o que nunca serão e todos fodendo a merda do mesmo objetivo. Afogando-o com álcool, sufocando com a fumaça, ensurdecendo com a música, com a dança, com o vômito, com o vazio. O vazio é o grande responsável por encher esses lugares. O vazio, a incerteza, a falta de direção, a falta de lógica nas coisas. A quantidade de perguntas que temos para a quantidade de respostas que nos dão. A quantidade de tempo que nos resta para a quantidade de tempo que achamos ter. O sabor que tiraram das coisas, a beleza que photoshoparam, as coisas que inventam para gente acreditar e procurar e se sentir um bosta quando não conseguir sem saber que a gente não consegue, não encontra e não acredita, porque simplesmente não existe. Ontem eu vi pessoas sozinhas com olhares perdidos na mesa do bar, outras dançando loucamente e casais do tédio. Ontem, antes de eu estar aqui na posição que estou hoje, eu estava sentada, sozinha, com o olhar perdido e uma lata de coca-cola na mão fingindo desconhecer a merda objetivo.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

É tempo

Talvez porque eu seja fogo eu goste do mar. Porque eu não posso tocar sem me destruir. Eu gosto de tudo que eu possa tocar e me decompor, só para poder compor de novo em outro rítmo, outro tom ou quem sabe em sinfonias vizinhas. Gosto de tudo que fica além das minhas linhas e eu não posso pegar. Tudo que fica além do meu ouvido e eu não posso ouvir. Tudo que fica abaixo da minha garganta e eu não posso dizer. Eu gosto de tudo que não existe. Porque assim eu mantenho a esperança de algum dia existir para eu poder acreditar em outra coisa. Todo mundo devia acreditar em outra coisa, só para gente fugir da rotina, ou ela fugir da gente. Não sei ao certo quem cansa mais. Se ela ou eu. Hoje em dia nós não. Nós apenas não. Nós não corremos, não lutamos, não gritamos. Nós permanecemos e o tempo vai. Mas chega um dia em que nós é quem vamos e ele permanece. É engraçado. O tempo tem tempo e vai. Nós não temos e ficamos. É realmente muito engraçado. Não, não é engraçado. Não concorde, pense. Por quê? Você tem ido, foi, irá? Tentou, tenta, tentará? Quando? Quem? Onde? Notícias são assim. Quando. Quem. Onde. Por quê. Nós somos assim. É, assim. Simplesmente assim. Sem perguntas. Vamos, pergunte, não tenha medo. Também não demore, não tenho todo tempo do mundo e mesmo que tivesse não daria ao mundo todo o tempo que tenho. Não é preciso dar tudo que se tem, já que ninguém tem mais nada que não dê para dar. Esqueça de dar tempo ao tempo, ele já tem o suficiente, quem não tem somos nós. Você não vê isso? Somos nós que não temos. Mas tudo bem, esqueça o ter, apenas vá fazendo, já que no fim, o nada é tudo que teremos. Isso é fato. É ato. É tempo.

sábado, 13 de março de 2010

É hora

Já chega. Chega de sentimentos engolidos, de amigos desamigos, de sorrisos falsos. Cansei. Chega de monotonia repetida, seja com idas, seja com vindas. Chega de fugir da verdade, de esconder saudade e fingir ser o que se quer. Chega. É hora de ser. Chega de tentar acertar quando errar é uma condição. Chega de tênis, guitarras e palcos. Chega de livros, poemas e contos. Chega. É hora de viver. Às vezes é preciso encaixar-se mesmo sendo um desencaixado. Às vezes é preciso fingir-se ponto sendo um quadrado.
Chega. Eu não vou me adaptar. Não, não quero nem tentar. Quero encontrar a pedra no meio do caminho e quem sabe à Drummond devolver. Quero acompanhar-te até o fim da estrada e sua mão soltar, dizendo cresça. É preciso crescer. Chega. Chega de maquiagens, de vergonhas. Não é hora da anulação. Não há perdão, Não há mais nada. É hora de acreditar que isso é verdade, mesmo sendo uma verdade extremamente e voluntariamente forjada.

domingo, 7 de março de 2010

A mesma

Você volta por aquela mesma estrada esburacada com pouca luz. A mesma estrada há 20 anos. O mesmo tênis, o casaco fino de linho preto, a mesma estrada. Com tudo tão igual é perceptível a diferença. Eu já a acompanhei umas e outras vezes. Sempre mudo o caminho, você permanece naquela estrada e nós duas convergimos para o mesmo ponto. Às vezes sinto saudade de acompanhá-la pela estrada esburacada de pouca luz. Hoje está chovendo. Eu não vou seguir meus diversos caminhos, nem você o seu. Te espero embaixo do chalé abandonado virando a esquina principal. Conto gotas de chuva que respingam do banco aos meus pés até você chegar. Seu atraso é sempre pontual. Você traz café em uma mão e um cigarro na outra. Eu coloco as duas no bolso, como um protesto aos teus vícios. Ficar parada ali seria previsível demais para nós. Sob uma leve chuva seguimos a caminhar. Não precisamos de direção, todas neste momento são válidas. Você me faz rir com seu sarcasmo e eu te faço rir com minhas filosofias sem nexo. Você canta trechos errados enquanto eu te corrijo. Sai falando com as plantas e eu fico quieta morrendo de rir do teu jeito. Nós falamos sobre tudo. Nós sabemos que em dez minutos nada disso vai existir. Sabemos que as coisas não são como parecem, mas vamos continuar acreditando que um dia serão. Vamos errar achando que é o fim, com a consciência de que não é nada disso. Nós vamos continuar errando, porque é preciso. Vamos amar achando que é único e para sempre, mas vamos continuar amando. Vamos aprender sabendo que é o máximo, porém que outros máximos virão. Vamos viver sabendo que estamos vivendo, enquanto alguns optam pelo fingimento. Vamos correr sabendo que estamos cansadas, mas com a certeza de que não estamos apenas passando. As pessoas agora estão me olhando como se tivesse algo errado. Como se você não estivesse aqui. Acho que elas descobriram que nós somos a mesma pessoa e que talvez só eu possa te ver. Agora você está voltando por aquela mesma estrada esburacada com pouca luz. A mesma de 20 anos. Você está voltando para dentro de mim.

terça-feira, 2 de março de 2010

Ainda existe

Não procuro muita coisa, procuro um algo mais que nem sempre encontro. Algo mais do que o vento no meu rosto. Algo mais do que palavras vazias. Algo mais do que o pôr do sol. Porém procuro de olhos fechados. Evito multidões, gritos são altos demais para a coerência. Evito confusões, elaboro-as em silêncio. Passo dias em claro pensando na vida e ainda acho melhor do que passar a vida em claro pensado nos dias. A onda vem e vai, como sentimentos e pessoas vem e vão, mas às vezes, quase sempre, é preciso bem mais do que o movimento. Todas as linhas de desequilíbrio são tênues, procuro afastar-me das linhas. Nada muito reto, quadrado ou perfeito. Defeitos me atraem por certa identificação. Minha delicadeza fica escondida bem no fundo. Embaixo da pele grossa que aguenta as pancadas diárias do existir. Meu romantismo fica escondido bem no fundo embaixo de livros armazenados, músicas tocadas e pulsar acelerado. Minha sanidade fica escondida bem no fundo, mas por sorte ainda existe.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

O cuspe na sua cara

Eu tenho vontade cuspir na sua cara. Tenho vontade cuspir na sua cara e desmentir todas essas suas verdades fingidas. De destruir o seu portão elétrico, seu carro blindado, sua TV bloqueada, o seu cérebro automático. Eu preciso cuspir na sua cara e dizer que sua vida é uma mentira e não eu. Eu quero quebrar os dentes da felicidade projetada e acabar com os cumprimentos efusivos às 7 horas da manhã. Eu quero materializar o preconceito e despejar na comida de todo mundo. Eu quero correr pelada na rodovia gritando que NÓS SOMOS UMA VERGONHA, somos uma vergonha e nos escondemos disso. Eu quero quebrar todos os saltos agulha, jogar na privada as roupas de marca, as bolsas da estação, os estojos de maquiagem e secadores só pra ver se existe algo vivo embaixo disso tudo. Eu quero que você engula sua hipocrisia para sentir o gosto que essa porra tem. Eu quero que você sinta a chuva e não só se contente que ela existe. Eu quero que você jogue seu poodle pela janela e conheça um vira-lata. Eu quero que você gaste menos com a sua unha e mais com um ser humano. Eu quero que você saiba que a escravidão não acabou que você não é livre e que gente morre todo dia por falta daquilo que jogamos no lixo. Eu quero que você assuma a imperfeição. Eu quero que você entenda que o planeta vai explodir e todo mundo vai junto com ou sem os produtos da Victoria Secrets. Eu quero dizer que a política é você, sou eu e o João da esquina e todos temos muito a ver com isso. Você precisa saber que a liberdade de expressão é controlada, não por nós, mas pela merda que colocaram na nossa cabeça. Você precisa saber que a escola, a igreja e a família, não te faz ser melhor e sim igual. Desculpa, mas eu tenho que dizer, o seu madruga morreu, o John Lennon, o Che Guevara, o Ghandi e a geração 68 também, mas nós estamos aqui e podemos fazer a diferença. Eu sei que você se sente vazia, perdida e sem esperança, mas eu preciso dizer que todos nós nos sentimos assim, porque somos de verdade, porém estamos nos transformando em robôs e logo não poderemos mais sentir. O final feliz não existe e nem poderia. Sim, aquilo é photoshop. O cinema existe no cinema, a novela existe na novela e você precisa existir aqui. Nem todos os sonhos são realizados, mas é preciso sonhar. Nem toda merda é mostrada, mas a gente tem que tentar ver. Eu sei, o mundo é frio, mas então provoque o choque. Deixe pensarem que você é louca, a pior loucura é forçar a normalidade. Sejamos loucos, é melhor do que não sermos nada. Se você não pode ser tudo, seja humana pelo menos. Tem muita coisa que eu ainda queria te dizer, mas isso por enquanto basta. Eu quis te dizer tudo isso e cuspir na sua cara porque meu bem, eu estou perdendo as esperanças e preciso que alguém cuspa isso de volta para mim.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Coragem

Cor-agem. Esqueça a cor, lembre-se apenas de que agem. Os músculos agem. Agir é passar do ponto de partida, independente da partida do ponto. O impossível só é sabido quando ouvido. Ensurdeça-se. Aja. Assim como agem os agentes no objetivo de destruir a gente do que somos e fomos. Seremos. Seremos diferentes daquilo que sonhamos ou sonharemos aquilo que diferente somos? Sonhe. Sem fórmulas. Desconecte e conecte só pelo prazer do ir e vir. Vá e volte. Não fique. Digo, não fique sempre. O sempre cega, é preciso enxergar, enxergar para mudar. Para isso não é necessário ver e sim ser. Seja. Viva. Experimente o diferente, o igual, o de sempre, o de nunca. Experimente, não ignore. Chore. Chore quando der, se quiser, onde for. Sorria ou então cale-se. Mas cale-se e evolua. Destrua os padrões. Reconstrua. Desmonte e monte. Acenda e apague. Descubra. Desvende. Tente. Sinta a falta. Seja a falta. Encontre a coragem ou aja. Tudo é válido, mas algumas coisas perecem. Às vezes merecem. Portanto, meu bem, feche os olhos e esqueça o que eu digo.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

O amor

O amor é uma via de mão dupla sem a mínima sinalização. Alguns arriscam as regras, outros acreditam desobedecê-las mesmo sem saber se elas existem. O amor é uma via de mão dupla e nem todos ainda estão aptos a utilizá-la. Uns por medo, outros por negligência. O amor é uma via de mão dupla e quase sempre só se vai para um lado. Às vezes existem mais veículos do que os permitidos e outras vezes ele é abandonado, porque as pessoas não sabem que é uma via de mão dupla.

Outras maneiras

Não importa para onde eu fuja, o problema é que sempre me levo junto. Às vezes é preciso trancar o ar só para sentir falta e assim enxergar no simples o essencial. Sou cercada de uma raça doente. Raça contaminada pela caretice, pela autocensura, autodestruição. Tudo é difícil demais, longe demais, tudo é demais sendo menos. Eles são rasos em ideias e profundos em nada. O medo trava, mas não deveria. Ele é um universo que não se deve guiar. Eu não consigo pertencer. Não posso ser de ninguém, sendo que nem minha sou. Apenas dou sem esperar resposta, porque quando recebo, não respondo da maneira que de fato devo. Talvez encontrar o errado seja certo. Mas encontramos muitos certos por aí. Quando chega o errado não estamos mais preparados para viver ignorados pelo comum. Aqui, a maioria tenta se igualar, eu só busco manter as diferenças. Aqui, a maioria busca se anular, eu só quero continuar respirando. Respirando os meus desejos. Os meus e os dos outros, porque assim posso lembrá-los quando eles próprios se esquecerem. Com o tempo nos esquecemos quem somos e passamos a ser outros. E eu preciso manter a memória mesmo sabendo que nela não posso confiar, já que está sempre sendo renovada e toda renovação requer esquecimentos. Lamento. Lamento mas não posso seguir essa regra. Tenho arquivos guardados no meu eu subentendido e deles não vou, mesmo que queira, me livrar. Alguns estão na pele, outros nem eu mesma tenho acesso. Mas o fato é que não vou me livrar. Não de mim. Existem outras maneiras, mais fáceis e menos dolorosas de se perder a sanidade.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Fazer parte e ser a parte

Eu não sou o que eu sinto. Apenas sinto fragmentos e impactos do que sou. Odeio a hipocrisia pós-moderna do fingir ser preocupado sendo um bosta. Ou você é ou não é. Se importa ou sai cagando e andando. O serei fica longe demais para ser afirmado em tempos em que mal conseguimos dizer sou. Ou você fica puta em ser tratada como inferior por ser mulher, burra por ser mecânica, lésbica por ser jogadora, fútil por ser estilista ou você acha normal um homem pagar suas contas em troca de um conforto qualquer. Não tem como ser os dois. É como ser vegetariana e comer hambúrguer. É como considerar o mundo inteiro como irmão e achar que um mendigo é bastardo. Quente ou frio, forte ou descafeinado, seja algo. A apatia me da ânsia. Sardinha também, mas a apatia não faz digestão ela entra e entala na garganta. Impede o grito. Cega o mundo. Hoje as coisas só incomodam quando estão próximas demais. Nada é nítido à distância, nada parece real. A pobreza só existe quando chega até você. O mundo é uma barbárie quando te tiram algo que vai faltar. Daí surgem as passeatas, a indignação, o sofrimento de uma família coberto pela Globo. Mas logo depois vem o esquecimento, e volta a indignação, e depois o esquecimento e a indignação, e a queda da bolsa de valores e o esquecimento, e a inflação, e o esquecimento, e a reeleição e o esquecimento, aaaaah, daí vêm a ânsia. E não há nada que ninguém possa dizer, porque ninguém mais escuta. Nada penetra a maldita bolha. Às vezes eu tenho vontade de sair furando todas como uma louca igual aquelas tias encalhadas que furam as bexigas com o palitinho de dente em festas de criança tentando representar toda a sua carência com o barulho do estouro. É o que dá vontade fazer. Porque como ninguém mais escuta, então não teria problema se todo mundo ficasse surdo de vez. Até onde vai tudo isso? As pessoas vão ficar extintas e se nem a Veja, nem a Globo publicarem ninguém vai ficar sabendo. O presidente pode morrer, ninguém vai sentir falta. Brasília pode sumir ninguém vai notar. A música pode acabar, ninguém nem vai sofrer por isso. O sangue que foi derramado lá atrás vem apodrecendo cada vez mais. Vem apodrecendo e ficando isolado. Os sonhos lá de trás doem em mim. Mas doe de verdade, eu não sonhei junto, mas eles também eram meus, de certa forma são os meus. E então doem. Na verdade é uma dor que não dói, mas aperta e quando aperta eu não tenho o que apertar, porque tudo o que eu tento apertar, desmancha. Eu não tenho sequer um “grito de guerra” Abaixo o que? Abaixo a falta de memória? Abaixo à guerra de poderes? Abaixo às vendas dos olhos? Abaixo à ditadura de narciso? Abaixo à ditadura da perfeição? Abaixo o silêncio? Abaixo à apatia? ABAIXO A PUTA QUE O PARIU VAMOS FAZER ALGO? Nem sei o que gritar, o que atingir, para quem lutar. Odeio a hipocrisia pós-moderna, a apatia pós-moderna, o individualismo pós-moderno. E odeio acima de tudo fazer parte e ser a parte de tudo isso.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Apenas isso

É incrível a capacidade de desistência antes da tentativa. O abafamento antes do grito. A resposta projetada antes da pergunta propriamente feita. Meus semelhantes são diferentes. Eu gosto de procurar vida em outro planeta porque eu já me sinto em outro dentro do meu. Eu gosto é de observar e ouvir. Falar exige sua cota. A minha esgota rápido. Às vezes a despejo em uma conversa só ou divido em pequenas frases durante o dia. Falar cansa. Os outros dois também, mas eu prefiro cansar de observar e ouvir, do que de falar. Ouvindo eu aprendo. Falando eu minto. Porque todo mundo mente, então eu entro no jogo. E pra ser sincera a verdade exige muitas explicações e as pessoas tapam os ouvidos na metade delas. Daí eu canso. Canso de repetir e ser censurada na metade. Foi quando eu resolvi mentir para elas e falar a verdade para mim. A verdade delas, porque as minhas elas quem escondem. Quando eu não aguento a pressão, eu falo sozinha e então alguém escuta e isso passa a não ser mais mentira, nem verdade omitida. Nessas madrugadas que eu não consigo dormir, quer dizer, todas essas madrugadas que eu não durmo, eu fico pensando que se eu pudesse te contar eu nem saberia o que dizer, porque a verdade nem sempre é dita e se é mostrada também não é vista. Mas se você me der a sua mão eu posso tentar. Eu posso tentar te levar lá e então você aproveita e me leva junto, quem sabe eu também possa ver alguma coisa. Eu queria ver. Queria ver tanta coisa e às vezes eu acho que ainda não tenho olhos suficientes para isso. É, talvez eu ainda não tenha olhos. Mas a gente pode tentar. Apenas isso já melhoraria a nossa visão.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Ele sai é de mim

Da minha janela não entra vento. Ele sai é de mim. Meus sentimentos estão nas entrelinhas, é preciso ler. Hoje eles não vão explodir sozinhos, é preciso provocar.
Eu rasgo as linhas à procura de algo mais. Ultrapasso os limites para espiar o que acontece do lado de lá. É, eu sempre preferi o lado de lá. É mais calmo, nada de muito trânsito. Um mundo paralelo tranquilo. Mas eu gosto do turbilhão, então fico entre lá e cá, vou e volto, cá e lá. É sempre assim. O céu de lá não tem cor. O mundo de lá não tem cor. Eu pinto como eu quiser. Aqui já colocaram umas cores caidinhas e eu tenho que me acostumar. A palavra “ter” não permite o “dar”. Há um forte antivírus entre ambas. Mas eu também nunca segui o permitir, portanto eu tenho e dou, peço e roubo, é um ciclo sem fim. É um ciclo que eu não sei como inicia muito menos onde encontro os botões de controle, então eu vou apertando todos até acertar. Acertar às vezes é um erro, um erro gravíssimo. Errar é comigo mesma. O Acertar eu divido com os outros. Quando eu erro, eu tento de novo. Quando acerto é uma vez só. Daí o controle foge das minhas mãos e passa a ser da memória. E ela muda o tempo inteiro, a gente não se entende. Eu faço o back-up e ela apaga. Eu digo esse não e lá vai ela. Os rostos se esfarelam, os acontecimentos se fragmentam, mas os erros ficam. Por isso eu erro mais e guardo mais. Acerto menos e ela não leva. Quem leva sou eu. Do meu violão não sai som. Ele sai é de mim, mas eu vou engolir e manter o silêncio.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

O dia

Hoje é o dia. Hoje é o dia em que eu visto minha fantasia de mulherzinha estereotipada pelo machismo moderno. Moderno, antigo, em transição...ou seja, a porra do machismo.
Nas ondas do silêncio eu grito a histeria. E eu quero correr, e eu quero gritar, e eu não sei o que eu quero, o que eu espero, nem o que eu preciso. Eu preciso de mais tempo. Não sei ao certo o quanto eu tenho, mas eu preciso de mais.
Ah, não me venha contar seu dia. Eu não quero saber do clima, da política, nem do mundo. Hoje eu sou o egoísmo triplicado do eu. Eu preciso falar de mim porque eu estou sentimental. Eu preciso falar só de mim e se você não quiser ouvir, tudo bem, eu falo comigo mesma. Existem milhares de espelhos pendurados pela casa e eles vão ter que me escutar, ah vão.
As pessoas tem medo da loucura. As pessoas são tão chatas, esquisitas e complicadas. Elas tem medo da loucura e ficam loucos por evitá-la. Eu não sou complicada. Na verdade eu sou sim, bastante. Mas não é de propósito. Eu sou assim porque não sei ser de outro jeito. Eu sou complicada porque não sei ser simples. Se soubesse o seria.
Existe uma guerra psicológica e a loucura causa mais terror do que o sangue, então eles vencem. O mundo está cego, e olha que eu nem enxergo para ver isso. Mas eu sinto que está cego. Eu estou vazia, você está cansado e a gente está morrendo e eu preciso de mais tempo e mais paciência e um par de olhos. Bons pares de olhos. Que veja sobre a cegueira do mundo, que não leia cifrões e não olhe para o espelho. Ah, se eu puder encomendar eu também quero uma dúzia de solidão. Não para mim, mas para eles, porque é impossível pensar em meio a tanto barulho.

Eu

Eu sou um tudo fingido e um nada claríssimo. Eu sinto uma atração irresistível pelo desconhecido. Por tudo aquilo que eu não sei fazer, que eu sei que não consigo. Nunca fui atraída pelo fácil, ele sempre me enjoa. Embalagens fáceis de abrir, perguntas fáceis de responder, homens fáceis de entender, isso tudo me leva ao tédio. E o tédio me leva a crise de hiperatividade o que faz as pessoas pensarem que eu sou louca, o que na verdade todo mundo é, mas ninguém tem a cara de pau para assumir. Eu tenho. Mas não assumo. Eu finjo muito bem a normalidade. Acho que eu sou um tipo de atriz frustrada e, aliás, a frustração leva o ser, a não ser o que realmente algum dia, em algum momento, quis ser. Eu apenas sou curiosa. Escuto as conversas dos outros e tenho vontade conversar com qualquer pessoa, qualquer pessoa que passe do meu lado eu quero conhecer. Mas eu fico quietinha, porque ainda falta uma ponte entre o meu querer e o ato realmente concretizado. Eu sou curiosa e faço o que não sei. Eu não sei escrever. Assim como eu não sei cantar, abrir as malditas maioneses de saquinho e jogar truco. Mas eu faço mesmo assim, porque como disse, eu gosto. Não, eu não li os clássicos, não ouvi os clássicos, muito menos assisti todos os clássicos, e claro isso não é algo do qual eu me orgulhe, mas também ainda não sinto a necessidade de suicídio. Eu só escrevo porque chega o tédio, juntamente com a crise de hiperatividade e para pular e fingir a parte da loucura eu tenho que colocar alguma coisa no meio. No meio da coisa, entende? E falando do sempre da coisa e da coisa de sempre, devo dizer que não preciso de muito. Resumidamente, eu preciso de açúcar, uma caneta e um papelzinho qualquer, um violão, uma vestimenta cafona e um vaso sanitário. Sim, um vaso sanitário. Para sentar e pensar nas merdas do mundo e poder depositar as minhas também. Ah, e com isso eu preciso de um pouquinho mais daqueles papeizinhos quaisquer. Além de todas as minhas necessidades eu tenho também a de sentir. A de sentir e compartilhar, preferivelmente com quem eu não conheço. Porque quem eu conheço não me conhece por inteiro, apenas 50% e como quem eu não conheço me conhece 0% e se eu compartilhar, passa a conhecer 50%, é mais do que justo. Porque assim ninguém passa perto dos 100% e eu não corro o risco de me contarem os 100% que sou. Daí tudo fica mais divertido. Assim como a vida, porque na verdade a vida é engraçada. Eu morro de rir sozinha. Nem todo mundo acha ela engraçada e como eu não tenho paciência para esperar todo mundo, então eu morro de rir sozinha.